segunda-feira, 27 de junho de 2011

POESIAS QUE GOSTARIA DE TER ESCRITO.

(...)
Cada coisa é o que é.
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra.
E quanto isso me basta.
Alberto Caeiro. In: Fernando Pessoa, O Eu profundo e os outros Eus.

SABEDORIAS PROFANAS.

- Se você ‘enxergar o que está por trás’ de todas as coisas sem exceção, então tudo se tornará transparente para você. Mas um mundo completamente transparente é um mundo invisível. ‘Ver o que está por trás’ de todas as coisas, é o mesmo que não ver nada. C. S. Lewis. In: Clive Staples Lewis, A abolição do homem.

REFLEXÕES SEM DOR.

- Rimbaud disse que é um erro dizer “eu penso”. Concordo com o poeta; talvez devêssemos dizer “pensam em mim”, “sou pensado por”, “pensam-me”.
Jung teve a mesma intuição ao dizer que “ninguém é senhor em sua própria casa”.
Paulinho da Viola também nos diz que “não sou eu quem me navega”. Nietzsche, como não poderia deixar de ser, também disse algo a respeito: “Um pensamento corre quando quer, e não quando eu quero. Assim, é falso dizer: o sujeito ‘eu’ é a condição para o predicado ‘penso’. Isso pensa, mas não existe a certeza imediata de que ‘isso’ seja o velho e famoso ‘eu’”. Bem, tudo leva a crer que há uma fonte primária da qual tudo e todos brotam. A pergunta, entretanto, parece ser “o que é essa fonte”, e não - como querem as religiões - quem ela é. O budismo e o zen - como filosofias que, prioritariamente, são - não têm a pretensão das respostas prontas e definitivas. O que propõem é melhorar a qualidade das perguntas e a profundidade das dúvidas.

- No campo da espiritualidade, sábio não é aquele que conhece algo, mas aquele que se converte no algo que sabe.

- Deus, no mundo, é o que é obscuro e o que é evidente.

- Que haja uma ordem no mundo, indica que há uma inteligência além dele.

- É no caminho da descoberta de quem somos que se descobre o caminho de quem Deus é.

- Parece certo que há uma força, uma ordem, uma inteligência que se manifesta na ordem e nas leis que regem o mundo e os seres vivos. Atribuir, entretanto, a essa força, a essa ordem, a essa inteligência atributos humanos é pura ingenuidade. Há 4.000 anos os mestres taoístas já haviam descoberto essa evidência mas, por não saberem o que ela é, chamaram-lhe de Tao.

DECLARAÇÃO DE FÉ.

Não sou ateu por convicção.
Sou ateu por instinto.
Já tinha pensado e escrito isso quando descobri que Nietzsche também havia dito que era ateu por instinto: “Para mim o ateísmo não é nem uma consequência, nem mesmo um fato novo: existe comigo por instinto”. In: Friedrich Nietzsche, Ecce homo. Conformado - e perplexo! -, constato que não importa o que eu pense, alguém já terá pensado antes de mim... A propósito: Borges tem uma interessante reflexão a respeito de “tudo já ter sido pensado”: “Concluí que tudo foi pensado na Índia e na China. Todas as filosofias possíveis, desde o materialismo até as formas extremas do idealismo, tudo foi pensado por eles, mas foi pensado de um modo diferente, de modo que, desde então, temos nos dedicado a repensar o que já foi pensado na Índia e na China”. J. L. Borges. In: Borges/Osvaldo Ferrari, Sobre a filosofia e outros diálogos. É verdade! Quando os gregos descobriram o Logos e o reconciliaram com o eu - criando assim a filosofia no Ocidente - Indianos e chineses, há muito, já haviam criado a “filosofia” no Oriente, negando o primeiro - o Logos, a razão - e superando o segundo - o eu - como critérios de argüição e reconhecimento do mundo.

NEGATIVIDADE COMO POSITIVIDADE.

O ateísmo é um negativo positivo, porque afirma o que nega:
Assim: Deus não existe!
(Liberdade é recusa).

OCIDENTE X ORIENTE.

"No princípio era o verbo” é uma frase interessante porque, na verdade, antes de ser uma afirmação de ordem religiosa, ela remete ao campo da cultura e da filosofia ocidentais: ela resume o caminho que percorreu a filosofia no Ocidente, marcando a guinada - a partir dos pré-socráticos -, em direção à razão e à linguagem como decifradoras do real.
A filosofia oriental jamais diria isso, porque jamais acreditou que razão e linguagem fossem critérios absolutos de apropriação e deciframento do real.
É interessante observar como evoluíram de maneiras tão diversas essas duas grandes civilizações. Enquanto o Ocidente desenvolveu um magnífico pensamento em torno das “ciências” - deixando de lado questões mais ligadas à espiritualidade - o Oriente, ao contrário, negligenciando a teoria e a prática da “ciência”, aprofundou um formidável mergulho na psique humana, erguendo uma maravilhosa reflexão em torno do sujeito e sua subjetividade espiritual.
Pense numa flexa em direção a algo: é o Ocidente.
Pense num círculo evoluindo em torno de si-mesmo: é o Oriente.
Cada um é o que é, e vale o que vale.
Cada um tem suas vantagens e desvantagens.
Cada um cobra seu preço por ser como é, e por valer o que vale.

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quarta-feira, 22 de junho de 2011

ZEN


1
Um dos problemas inerentes à compreensão do zen é que ele não se presta a descrições racionais de modo que, ao falar dele... já o traímos! Desconfie, portanto, quando alguém disser que sabe o que é zen, pois trata-se de um ingênuo - não sabe do que fala -, ou charlatão - fala do que não sabe.
Mas, veja:
Ingenuidade e charlatanice não alteram o que o zen é - ou não é. Charlatão ou ingênuo, pode-se dizer qualquer coisa sobre ele, pois o zen estará sempre além. Não, o zen não é algo que possa ser ensinado ou sabido; não pode ser expresso por palavras, pois o verbo não da conta de dizer o que ele é. Irredutível, inarredável, irrecorrível, inacreditável zen! Inespressável e incomunicável, o zen é infalável. (Nada mais zen do que brincar de inventar palavras).

(O avesso da linguagem é o abismo da razão. É nesse fosso - profundo e sem fundo - que o Zen mergulha e semeia suas verdades).

Dizer o que o zen é, é reduzi-lo a razão, subordiná-lo à linguagem.
É empobrecê-lo, empobrecendo-se.
Dizer o que o zen é, é trair o zen.

Quem fala dele, não sabe o que ele é.
Quem sabe o que ele é, não o desfruta.
Quem o busca, não o alcança.
Quem o alcança, não sabe onde ele fica.
Quem o encontra, dele se afasta.
(O zen é longínquo!)

2
O Zen, portanto, afirma:
A razão não é a via exclusiva de desvendamento do real.
A linguagem usual não é o veículo único para nomeá-lo.
As religiões formais não esgotam a questão da espiritualidade. Como questão e busca - como verdade interior que emana do ser - a espiritualidade independe dos caminhos e soluções propostas por elas.
(Quer dizer, “o zen afirma” segundo a leitura laica que eu faço dele).

3
Dizem que realizamos o zen quando não sabemos o que ele é, nem do que trata. Quando, diante dele, mudamos... para sermos como sempre fomos.
E dizem... que isso ocorre quando nosso modo-de-ser se harmoniza com o ser-como-somos porque então, dizem... não há diferença discernível entre um e outro. E dizem... que é por isso que o arqueiro zen nunca erra a direção da flecha: ele sabe que o alvo está dentro. E dizem... que é o despir-se e o inundar-se de si - como ausência e excesso - que determina a direção da flecha. E dizem, então... que o arqueiro zen sabe que o alvo não é exterior, e que a flecha sempre atinge o alvo: isto é, o próprio arqueiro. Então, dizem... ela se auto-dispara:
Sem pensamento.
Sem mente.
(E semzen, se é que você me entende).

(Essa historieta do arqueiro que sempre atinge o alvo porque a flexa vai sempre em direção a si mesmo é uma bela metáfora do que é uma busca espiritual. A flexa, na verdade, é o conjunto de perguntas – e dúvidas – que o arqueiro - isto é, eu e você -, faz ao longo da vida).

4
O ZEN
Não,
o zen não é religião formal.
Não consente e não proíbe.
Não exige e não cobra.
Não pune os pecadores.
Não recompensa os virtuosos.
Não julga os ímpios, não acolhe os pios.
Não santifica e não inocenta.
Não cura os enfermos, não consola os aflitos.
Não,
o zen não é religião formal.
Não propõe, portanto, não alcança.
Não designa, portanto, não persuade.
Não nomeia, portanto, não escolhe.
Não cobra, portanto, não retribui.
Não se transmite pronto - fora.
mas se descobre inacabado - dentro

5
Além do afirmado e do negado; irredutível, insabível, indizível, inacessível, inadequado, inarredável e inapreensível, o zen é isso que o filósofo Georges Bataille definiu como “não-saber.”
(O “Não-saber” para Bataille são as diversas experiências que não podem ser apreendidas pela cultura, porque a ultrapassam: o êxtase, a sexualidade, o sacrifício, a pornografia, a poesia, a gnose, o mal, a paixão, o riso etc. O “Não-saber” resulta de práticas potencialmente transgressoras, porque são práticas que a razão e a linguagem não sabem expressar, avalizar, endossar. Portadores de conteúdos eventualmente ameaçadores - extravio, contra-senso -, a sociedade e a cultura lhes negam um lugar de expressão. Práticas “marginais” que apontam para o que a primeira considera desvio, e que a segunda - o discursivo, o bom senso e o senso comum - não compreende e, portanto, não assimila. Situado no "extremo do possível”, o “não-saber” é produto do excesso. Desordem na ordem do discurso - explode e extrapola a sua unicidade -, do ponto de vista da sociedade, da cultura, da razão e da linguagem, sobre elas nada pode ser dito).

6
Abordar o zen pela linguagem e não pela religião talvez seja o modo mais correto de se chegar perto dele (pois o que ele é, já disse, jamais saberemos).
Talvez ele seja mais simples do que supomos, e somos nós que, através da nossa linguagem, tornamos tudo mais complicado (Wittgenstein dizia que a linguagem nos enfeitiça, e que o papel da filosofia é quebrar esse feitiço).
Mas, quem sabe, talvez a respeito do zen, possamos considerar:
- O zen não é nada. (assim ele pode ser, para cada um, o que cada um for capaz de achar que ele seja).
- O zen é uma linguagem que tem como objetivo se apropriar, de maneira criativa e laica, da espiritualidade. (Se assim se quer, é claro!).
- O zen não é uma linguagem, pois segundo ele, palavras não dão conta de dizer o que ele é.
- O zen destrói, desmistifica o modo pelo qual abordamos o real; segundo ele, razão e linguagem não são os modos, maneiras exclusivas – nem as melhores – de se apropriar dele. (Há um “outro” real, de outra ordem e com outras prioridades que não aquelas determinadas por essas duas instâncias majoritárias de conhecimento e apropriação).
- O zen nega a si próprio como zen, desdiz o que diz, afirma o negado e nega o afirmado. Esse é seu grande “barato”. Subverte e, assim, melhora a qualidade dos nossos pensamentos. (É pura dúvida e, assim, qualifica as nossas próprias!).
- Non-Sense e Paradoxos são guetos – à margem, margemnais – dentro da linguagem. É a partir desse lugar mal-dito – desse não-lugar que nenhuma linguagem normativa assume como sua – que o zen articula seu discurso sobre o sujeito, o real e suas relações recíprocas.
- O zen não serve para nada, sendo essa é a única premissa capaz de dar a ele alguma utilidade. Esse é o ponto de partida, o único capaz de torná-lo útil para você.

7
Zen:
O não-saber como premissa.
O não-agir como condição.
O silêncio como deciframento.

8
Particularmente, não sou adepto e não pratico o zen; não o sigo e não o recomendo. (Se é que você me entende). Entretanto, o que me fascina é essa desmistificação que ele produz no campo da linguagem, essa subversão de seus pressupostos - seu não-sentido como portador intrínseco de sentido -, a transgressão que ele provoca no que - antes - era certo e seguro.
O zen, enfim, serve apenas para tornar mais rico os nossos pensamentos e nossas dúvidas cotidianas, nos prevenindo e nos tornando mais atentos as armadilhas dessa nossa linguagem comum, usual, corriqueira. (Se assim se quer, é claro!).

Então, fica combinado: o zen é só isso, tudo isso, e nada disso.

sábado, 18 de junho de 2011




Produto típico da década de ‘60, até os 40 anos fui puro rock. Tenho, portanto, uma dívida irresgatável com essa familia que vem desde Chuck Berry , Bill Haley e Elvis Presley.
O problema é que cheguei tarde à música clássica, esse universo de significações múltiplas do qual, desgraçadamente, já não tenho muito tempo para percorrer. De qualquer modo - é uma espécie de consolo - a música clássica é como a filosofia: antes do 40, é desperdício freqüentá-la.
Então, me especializei em Mozart, Bach e Vivaldi. É que percebi que com Mozart, avalio melhor um solo de Hendrix; com Bach, entendo nuances do Jefferson Airplane; com Vivaldi, percebo sutilezas no Greateful Dead.
Heresia! dirão os ortodoxos. Certamente, mas nem tanto, pois cada um ouve segundo uma relação de perfeita sintonia com o que é.
Ouvimos como somos.
Confira:
Do mesmo modo que não nos banhamos duas vezes no mesmo rio, assim também a mesma música nunca é mesma a cada vez que a ouvimos.
O mesmo portanto, não existe; ou melhor, só exite, a cada mesma vez, como diferente.
(Se é que você me entende).

SABEDORIAS PROFANAS.

- proponho que pensemos o rock como uma complexa prática estética que é também política e que, tendo sua própria especificidade ontológica [caraça!, o que ela quis dizer com isso? Bem, é como eu já disse: se você entende tudo o que diz um filósofo, ele não deve mesmo ser muito bom] como manifestação de vontade (no sentido da vontade da natureza de que falou Schopenhauer), afeta o sentido do mundo. Quero dizer que o que o rock traz ao mundo é uma autorização contra o autoritarismo. Ele faz isso por meio da prática estética que foi recalcada ao longo da história: o grito. (...) O grito do rock é elétrico. O grito ou a explosão do que, não devendo ser mostrado, todavia apareceu. Isso que nos encanta enquanto nos ensandece, nos irrita, nos afronta e, ao mesmo tempo, quer salvar alguma coisa em nós. Marcia Tiburi.

REFLEXÕES SEM DOR

- A ferida do rock costuma ser fatal; em mim, ela provocou danos irreparáveis e irreversíveis, abalando meus sentimentos, testando minhas emoções, abalando meu coração - que nunca mais bateu como antes. Graças aos deuses, sei que nunca mais vou me curar dela.

PARA VER E OUVIR NO YOU TUBE:

- Surpreenda-se ouvindo a Sandy cantar “Hallelujah”, de Leonard Cohen:
Tecle: Nerina Pallot, Sandy Leah, Junior&Lucas Lima. Hallelujah.
- Surpreenda-se ouvindo a Vanessa Camargo estraçalhar “Piece of my heart” da Janis Joplin: Tecle: Piece of my heart. Wanessa Camargo (circo do Edgard).
Tecle:- Steppenwolf – The pusherman. (Pusher significa traficante)

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segunda-feira, 13 de junho de 2011

ABSURDA LUCIDEZ.

Sim, o sagrado é o que roça, fuça, pica e enrosca; é o que pinga, escorre e derrete; o que ri, cheira e chora; chia, pia, mia; É o que range e o que rosna; escurece e clareia; esquenta e esfria; é o seco e o molhado; é o que sopra, venta e balança; o que anda, corre e o que hesita; é o bico, o rabo e o chifre; a garra, o casco e a pata; é a escama, o pêlo e a pena; o que tem cheiro, sabor e cor; no alto, é o que sobe e pula, no baixo, o que arrasta e enrosca; é o que nasce, cresce, divaga e sonha; o que mama, berra e se aninha; é o que cresce, o que goza e o que agoniza; é o que mata e o que morre; o forte e o fraco; é o que come e é comido; o cru e o cozido; é o frio e o quente; pra cima, o que brota, pra baixo, o que desce; é azul profundo, intenso branco, tranqüilo verde; é o que se vê e o que se sente; o que se aprende e o que não se sabe. O sagrado é tudo que é isso ou esse, aquele ou aquilo. O sagrado, somos eu e você.
Sim, foram elas, as religiões formais, que separaram, deslocaram, opuseram o sagrado ao profano. Foram elas que afastaram, cindiram, hierarquizaram, que deslocaram o sagrado do natural para o sobrenatural. E do imanente para o transcendente.
Sim, através da manipulação dessa angústia - a mortalidade do corpo - as religiões formais transformam o sagrado num objeto externo ao sujeito, isto é, num objeto de negociação, submissão e adoração.

ABSURDA LUCIDEZ.
Todos serão chamados e todos escolhidos:
o que discrimina perde poder.

SERENIDADE.
Há sempre um abismo a espera dos que duvidam.
A beira do abismo produz perplexidade e serenidade espiritual.
Estou perplexo e sereno.

QUESTÃO

Afastada a hipótese religiosa – respostas de fé para o irrespondível de fato - a questão que sobra para o ateu é: o que é Deus? Bem, os mestres taoistas encaminharam a questão: não sabendo seu nome, nem o que ele é – mas percebendo suas diversas manifestações na natureza e na ordem do mundo – chamaram-lhe Tao. Um nome, afinal, tão arbitrário quanto Deus ou qualquer outro. No fundo, se percebemos como ele se manifesta através da ordem, da beleza e da harmonia que regem o mundo, não temos necessidade de saber o que ele é. Basta sentir, intuir e, então, saber, como dizem os taoistas, que ele age no mundo e na ordem dos seres sendo e não sendo o que é e não é.

PERPLEXIDADE

É possível que além do humano - isso - que chamamos vida - tenha significados que nos são, por insondáveis razões, ocultos. É igualmente possível que - isso - que chamamos mistério - não tenha significado algum.
A resposta, então, é: não sabemos.
A pergunta é irrelevante diante do que - isso - é:
Isso, vida e mistério, já são a resposta que se busca fora d’isso.
Fora da temporalidade, há algo na consciência que a ultrapassa.
É - isso -, que significa: além d’isso, nada sabemos.
E é bom que não saibamos para que mistério e vida permaneçam, imensos, a nos indagarem e conduzirem. E é bom que não saibamos, para que continuemos sendo vida e mistério, ponto de partida e chegada.
Para onde? Não sabemos.
Não há respostas.
(Uma vida plena em torno de (suas) perplexidades).

No mais... viver com graça - com estilo, diria Bukowski -, anônimo e disponível. Viver com estilo, ataraxia, essa estranha e bela palavra que os antigos gregos inventaram, designando um estado interior próprio aos que vivem sem perturbações da alma, curados da vida, da alma, de si:

Da alma através do zen.
Da vida, através da filosofia.
Do mundo, através do humor.

KOAN PROFANO.

KOAN PROFANO:
O que é a consciência,
Que não existe,
Isolada-mente?

SABEDORIA PROFNA.

- “Tudo que é reto mente (...) toda verdade é torta”. In: F. Nietzsche, Assim falou Zaratustra.
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quinta-feira, 9 de junho de 2011

PORQUE BUDISMO E ZEN NÃO TÊM UMA ÉTICA ÚNICA, COMUM E CONSENSUAL (2)

Acho que cometi um erro e botei a carroça depois dos bois. O que quero dizer é que devia, primeiro, ter escrito o porque do budismo e do zen não terem propriamente uma ética comum e, só depois, publicar esse poema do LaoTzé do post anterior (ver abaixo). Fico imaginando que ninguém deve ter entendido muito bem o que ele quer dizer. Bem, então vamos lá, vou tentar explicar porque acho que essas duas religiões, essas duas filosofias religiosas, essas duas religiões filosóficas, essas duas filosofias orientais, essas duas psicologias não abrigam, de modo geral e unificado, uma ética capaz de orientar de modo unitário e abrangente aqueles que deles se aproximam.
Veja: como falar de uma ética no budismo e no zen? De qual budismo e de qual zen estaremos falando? Sim, pois não há um budismo, como também não há um zen. Talvez o mais correto fosse dizermos budismos e zens. Cada vez que alguém fala do zen ou do budismo, devíamos perguntar de qual budismo, afinal, ele esta falando. De fato, há um budismo na Tailândia, na Birmânia, no Japão, no Tibet, etc. Cada um deles, por sua vez, abrigando variadas escolas no seu interior, cada uma desenvolvendo sua própria doutrina. (Budismos, portanto). De qual ética estaríamos nos referindo?
Acho que o budismo e o zen preferem deixar que cada um descubra a sua própria.
Não deveria haver, (ou não deve haver, filosoficamente falando), uma ética geral, a priori, a não ser do ponto de vista estrito das religiões. (A ética religiosa desenvolve a lógica do mesmo, do único). Cada “ética” deve se referir ao conjunto de verdades de cada um e que, por sua vez, deverá estar relacionada a cada situação (“acontecimento”, como diria Badiou) particular, própria e intransferível. A ética deve se referir a um comportamento que signifique: “ser fiel aquilo que se vive”. E isso, basta.
Lembremo-nos que “ética” em grego, significa “maneira de ser”. Ética, portanto, deve se referir a capacidade que cada um deve desenvolver em si de, diante de cada situação, saber discriminar, escolher e decidir. Uma ética de cima para baixo, geral, coletiva é sempre problemática, perigosa e arbitrária. É a isso que o poema do Lao-Tzé se refere: "Quando o grande Tao declinou/a doutrina da humanidade e retidão surgiram/Quando o conhecimento e a sabedoria apareceram/Emergiu grande hipocrisia/Quando um país está em desordem/Haverá o louvor aos ministros leais/Abandone a sapiência e descarte a sabedoria/Então as pessoas se beneficiarão cem vezes mais/Abandone a humanidade e descarte a retidão/Então as pessoas retornarão à piedade filial e ao amor profundo".
Sim, cada “ética”, ou uma ética, ou a ética, é da ordem do individual, não do coletivo. É por isso que gosto do budismo e do zen:
Eles não têm a pretensão de dizer como você deve se comportar.

O QUE A NATUREZA É.

Os taoístas propunham um cotidiano adaptado aos ritmos da natureza. Para eles, a sabedoria é consequência de uma lógica de viver que mistura ser com fazer - o SerFazendo – numa mesma unidade operacional. A vida, diziam eles, “se constitui e se renova graças a um contato estreito com a Natureza”. Simples e naturalmente, a sabedoria profana é essa consciência: a natureza é harmonia manifestada de modos diversos.
(Então, que tal trocar o é pelo somos? A natureza somos!).
Mas atenção:
É um equívoco idealizar o que quer que seja sobre a natureza - adjetivos, qualificativos, superlativos - e, de preferência, nenhuma metáfora. Exemplificar a natureza apenas nos explicam, nos devolvendo a nós mesmos - como somos - e não ao que ela é na sua singularidade. Na natureza não há essências, “finalidades”, “objetivos”. A natureza não tem qualidades.
(Tal como o Tao).
A natureza não é boa, má, bela, feia; não é simples ou complexa. Não é poderosa, cruel, nem delicada. Não “serve” para nada, não é parâmetro ou medida. A natureza é só natureza.
(É o que é: soé).

A NATUREZA
Fogo, queima; ar, sopra.
Água, mole; terra, dura.
Rios, rios; montanhas, montanhas.
Plantas, plantas: altas, ou baixas, verdes, ou não.
Bichos, bichos: pêlo, pena, ou pluma.
Peixes, peixes: nadam.
Pássaros, pássaros: voam.
Árvores, árvores: no verão, verdes, no outono, amarelas.
Na primavera, florescem. No inverno, não.
É simples:
Nenhum valor, qualidade alguma.
Sim, a natureza é só o que ela é. Estando por perto, veja, admire. Podendo, cultive, pegue, cheire e fungue, mas deixe que ela seja o que, e como é, pois, o que a ela é, é por si só.
(Observá-la com deleite, deixar que ela apenas seja é marcar pontos na existência, dar passos na sabedoria).

Sem expectativas, cercado pelo diverso e múltiplo, pelo que é - sem atributos -, saber-se diferente da natureza porque semelhante a ela; mesma matriz na pluralidade da criação: dis-semelhante. Semelhança na diversidade, mesma unidade conforme a especificidade e os fins que cabem à cada um.

(E viva Wittgenstein, que disse: “(...). Há leis da natureza. Mas isso não se pode dizer: revela-se”; “O sentido do mundo tem que estar fora do mundo. No mundo tudo é como é e tudo acontece como acontece; nele não existe qualquer valor”. In: Ludwig Wittgenstein, Tratado lógico-filosófico. E viva Alberto Caeiro, que disse: “Por mim, escrevo a prosa dos meus versos/E fico contente/Porque sei que compreendo a Natureza por fora;/E não a compreendo por dentro/Porque a natureza não tem dentro;/senão não era Natureza”. “O guardador de rebanho”. In. Fernando Pessoa, O EU profundo e os outros EUS. E viva também Nietzsche, que disse: “Não existe forma na natureza, porque nela não há interior nem exterior”. In: Friedrich Nietzsche, O livro do filósofo).

KOAN PROFANO:

O que, naturalmente, é naturezamente?

PARA VOCÊ CURTIR NO YOU TUBE:

Tecle:
Nick Cave+ kylie Minoge. Death is not the end.

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segunda-feira, 6 de junho de 2011

(O MAL)

Yo soy el espíritu que siempre nega!
Y com pleno derecho, pues todo lo que nasce
merece ser destuido.
Más valdria entonces que nada nasciera
así pues, todo lo que llamas pecado,
destruccíon, el Mal
es mi elemento próprio.
Goethe. Fausto. In: Michel Tounier, El espejo de las ideas.

PORQUE BUDISMO E ZEN NÃO TÊM UMA ÉTICA ÚNICA, COMUM E CONSENSUAL (1)

Quando o grande Tao declinou
a doutrina da humanidade e retidão surgiram.
Quando o conhecimento e a sabedoria apareceram,
Emergiu grande hipocrisia.
(...)
Quando um país está em desordem,
Haverá o louvor aos ministros leais.

Abandone a sapiência e descarte a sabedoria,
Então as pessoas se beneficiarão cem vezes mais.
Abandone a humanidade e descarte a retidão,
Então as pessoas retornarão à piedade filial e ao amor profundo.
Lao-Tzé, Tao-Te-King.

UM POUCO DE KRISHNAMURTI NA VEIA NÃO FAZ MAL A NINGUÉM.

- A crença organizada é um grande empecilho, separa o homem do homem. (...) Nós inventamos Deus. O pensamento inventou Deus, isto é, por causa da miséria, do desespero, da solidão, da ansiedade, nós inventamos essa coisa chamada Deu (...) Se vocês forem livres do medo, da tristeza, não há necessidade de um Deus.

- Sustento que a verdade é uma terra sem caminhos, e vocês não podem aproximar-se dela por nenhum caminho, por nenhuma religião, por nenhuma seita.

-
[Sobre o despertar, a sabedoria] O observador é o observado, a experiência é o experimentador, o pensador é o pensamento.

- A Meditação é uma das grandes artes da vida, talvez a maior, e não se pode aprendê-la de ninguém. Não tem técnica e, portanto, não tem autoridade. Quando você aprende a respeito de si-mesmo (...), observa o modo como caminha, de que maneira come, o mexerico, o ódio, o ciúme; se você se torna ciente disso tudo, sem escolha, isso é parte da meditação. Portanto, a meditação pode ocorrer enquanto você está sentado num ônibus ou caminhando na floresta cheia de luz, ouvindo o canto dos pássaros ou olhando para o rosto da sua esposa ou do seu filho.

- A idéia popularmente aceita de Meditação como a tranqüilização da mente pela fixação da mesma em uma palavra, objeto ou prática de alguma técnica é mortal e inútil. [Meditar] é fazer descobertas inesperadas e surpreendentes dentro de si.

- Sinto que estamos sondando algo que a mente consciente, em tempo algum, poderá compreender. (...) Há alguma coisa. Muito vasta para ser expressa por palavras. Há um tremendo reservatório, por assim dizer, que, se pudesse ser tocado pela mente humana, poderia revelar algo que nenhuma mitologia intelectual, invenção, dogma, jamais revelou.(...) Ou criamos um mistério quando não existe um, ou há realmente um mistério que precisamos abordar com extraordinária delicadeza e calma. A mente consciente não pode fazer isso. A coisa está ali. Está ali, mas não podemos chegar até ela, não podemos convidá-la a vir. Não é uma conquista progressiva. Há alguma coisa, mas o cérebro não pode compreendê-la.

- Para aprender, compreender a si-mesmo, toda autoridade deve ser posta de lado (...) nada há a aprender dos outros, inclusive do orador (...) o orador nada tem para ensinar-lhes. O orador está meramente agindo como um espelho no qual vocês podem se ver. E quando puderem ver a si-mesmos claramente, podem jogar fora o espelho.
Krishnamurti (1895/1986). Com 13 anos foi selecionado pela Sociedade Teosófica para ser o seu mestre, seu guru universal. Mas ele jogou tudo para o alto, renegou a Sociedade e seus mestres, renegou a si próprio como mestre e saiu pelo mundo pregando que cada um deve ser seu próprio guru.

POEMA QUE GOSTARIA DE TER ESCRITO.

Se a vida encerrar o meu destino e o teu,
outros homens virão, inúmeros, após.
Este Sáki eternal, que em gotas nos verteu,
há de verter milhões em gotas como nós.
Omar Khayam. Rubayá.
(Sáki. Aquele que dá de beber. No caso desse rubai, Deus).
(Foi meu filho Pedro que me mostrou esse maravilhoso poema do Omar Khayan. Tenho esse livro há anos, e nunca tinha notado. Acho interessante a intuição do poeta no sentido de que somos “gota”. É que já tinha pensado isso, quando escrevi há alguns posts atrás:
VIDA
A vida é líquida.
As vezes gota.
As vezes oceano.
Somos, de fato, a gota da qual a alma é o oceano, tanto no sentido poético e espiritual, quanto no psicológico. Note que, para Freud, a alma é o que os antigos gregos denominavam essa phyque que nos é comum enquanto individualidades. Jung, por sua vez, chamava – se não estou equivocado – de Inconsciente Coletivo essa subjetividade que permanece oculta, mas que também nos é comum como espécie e que aparece, nas mais variadas manifestações, nas diferenciadas culturas de todos os povos.

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sexta-feira, 3 de junho de 2011

Nietzsche, pra mim, o maior dos filósofos. Agora, acho que ele deveria ser proibido pra menores de 50 anos. Antes disso, sem maturidade e sem experiência, é deixar escapar o que o filósofo tem de melhor. É pura perda de tempo: "Os conhecimentos mais proveitosos são os que mais tardiamente se adquirem", diz ele.
Aliás, a filosofia é como uma "história de comadres" na qual os filósofos se comprazem em referências mútuas para usufruto e deleite próprio. Num universo fechado e auto-referenciado, esse clube só te aceita se, previamente, você já for sócio dele...
De resto, tenho uma relação ambígua com a filosofia; mais quantitativa que qualitativa: leio mais que entendo.
O problema é que diante dela - não há porque negar - me deparo inevitavelmente com minhas próprias limitações.
A superfície, então, pela profundidade (porque não?).
Não há dúvida: é preciso ser filósofo para entender os filósofos.
E eu, desgraçadamente, não sou um deles (a não ser pra mim mesmo, é claro!).
(Detalhe: se você entende tudo que um filósofo diz, bem, ele não deve mesmo ser muito bom).
De resto, é como diz a atriz e filósofa Cláudia Abreu:
"O melhor de amadurecer é aceitar seus limites".

REFLEXÕES SEM DOR.

- A vocação religiosa é um mistério; o êxtase é uma vocação religiosa.

- O místico religioso é uma exceção porque - sem se dar conta - é um transgressor: “O místico busca a união com um Deus transcendente e, em conseqüência, destrói necessariamente a transcendência”. Tradução pessoal. In: Georges Bataille, La religión surrealista.
O santo é sempre um transgressor e um fracassado porque desterritorializa o sagrado, desloca, transfere, retira-o de sua função extraordinária, reduzindo-o, mediante a sua ação, ao domínio do humano.
O santo instaura a anormalidade (a sua) no campo da norma (a nossa), rompendo, assim, com as regras culturalmente praticadas e socialmente aceitas pela sociedade e pela igreja. (Todo santo tem um nome: ruptura).
O santo verdadeiro é aquele que sempre fracassa. Daí a excepcionalidade de sua vida. Quanto a mim, concordo com os antigos mestres taoístas: “Ninguém é santo se deixa vestígios.”

ABSURDA LUCIDEZ:

Com a religião, troco fé por conhecimento, com a filosofia, troco conhecimento por sabedoria.
A rigor, o oriental não tem filosofia, mas sabedoria.
É que a sabedoria cala,
sobre o que a filosofia fala.
Do que o filósofo fala,
O sábio silencia.
Do que na filosofia é discurso,
na sabedoria é silêncio.

ABSURDA LUCIDEZ:
Profano como escolha.
Intuição como método.
Sabedoria como fim.

ABSURDA LUCIDEZ:
A sábia/sabedoria/dosábio/sabe/quesábio é aquele que tem um encontro marcado com sua verdade enquanto sujeito.

ABSURDA LUCIDEZ:
O filósofo cotidiano, intuitivo e profano trava uma luta em torno do resgate de sua sanidade; sim, pois quanta lucidez suporta um caminhante solitário de si mesmo?
(E viva Nietzsche, que disse: “Quanta verdade suporta, de quanta verdade é capaz um espírito?” F. Nietzsche. In: Ecce Homo).

SOBRE CLARICE LISPECTOR

- Sou aos poucos.

- A vida serve para se morrer dela.

- Às vezes o que nos salva a alma são os vícios.

- Eu só rezo porque palavras me sustentam. Eu só rezo porque a palavra me maravilha.

- Talvez só se possa acreditar completamente no que não se pode ver.

- Criei em mim uma realidade. De vez em quando mudo de realidade.

- O mundo me vencerá mas pelo menos eu farei uma coisa decente: morrerei.

- Tem gente que cose para fora. Eu coso para dentro.
In: OlgaBorelli, Clarisse Lipector. Esboço para um possível retrato. Ed. Nova Fronteira, RJ, 1981.

SABEDORIAS PROFANAS.

- A psicanálise é, em essência, uma cura pelo amor. Freud.

- Na arte, tudo que não pode, deve. Grafite anônimo num muro do Jardim Botânico.

- And in the end, the love you take is equal to the love you made. Lennon&McCartney.

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