1) – O Dragão Chinês.
A cosmogonia chinesa ensina que os Dez Mil Seres (o mundo) nascem do jogo rítmico de dois princípios complementares e eternos, que são o Yin e o Yang. Correspondem ao Yin a concentração, a obscuridade, a passividade, os números pares e o frio; ao Yang, o crescimento, a luz, o ímpeto, os números ímpares e o calor. Símbolos do Yin são a mulher, a terra, o alaranjado, os vales, os leitos dos rios e o tigre; do Yang, o homem, o céu, o azul, as montanhas, os pilares, o dragão.
O dragão chinês, o lung, é um dos quatro animais mágicos. (Os outros são o unicórnio, a fênix e a tartaruga). No melhor dos casos, o dragão ocidental é aterrador, e no pior, ridículo; o lung das tradições, pelo contrário, tem divindade e é como um anjo que fosse também um leão. Assim, nas Memórias Históricas de Ssu-Ma Ch’ien lemos que Confúcio foi consultar o arquivista ou bibliotecário Lao-Tsé e que, depois da visita, declarou:
- Os pássaros voam, os peixes nadam e os animais correm. O que corre pode ser detido por uma armadilha, o que nada por uma rede e o que voa por uma flecha. Mas aí está o dragão; não sei como cavalga o vento nem como chega ao céu. Hoje vi Lao-Tzé e posso dizer que vi o dragão.
(...)
CHuang-Tzu nos fala de um homem obstinado que, ao cabo de três anos ingratos, dominou a arte de matar dragões, e que pelo resto de seus dias não se deparou com uma só oportunidade de exercê-la.
2) – Kujata.
Segundo um mito islâmico, Kujata é um grande touro dotado de quatro mil olhos, de quatro mil orelhas, de quatro mil ventas, de quatro mil bocas, de quatro mil línguas e de quatro mil pés. Para ir de um a outro olho, ou de uma orelha a outra, bastam 500 anos. Quem sustenta Kujata é o peixe Bahamut; sobre o lombo do touro há uma rocha de rubi, sobre a rocha um anjo e sobre o anjo nossa terra.
3) – O Cem-Cabeças.
O cem-cabeças é um peixe criado pelo Karma de umas palavras, por sua póstuma repercussão no tempo. Uma das biografias chinesas de Buda conta que este se encontrou com uns pescadores que arrastavam uma rede. Ao cabo de infinitos esforços, trouxeram à praia um enorme peixe com uma cabeça de macaco, outra de cachorro, outra de cavalo, outra de raposa, outra de porco, outra de tigre, e assim, até o número cem.
Perguntou-lhe Buda:
- Não és Kapila?
- Sou Kapila, responderam as cem cabeças antes de morrer.
Buda explicou aos discípulos que, numa encarnação anterior, Kapila fora um brâmane que se havia feito monge e que a todos havia superado na compreensão dos textos sagrados. Por vezes, os companheiros se enganavam e Kapila os chamava de cabeça de macaco, cabeça de cachorro etc. Quando morreu, o Karma dessas invectivas acumuladas o fez renascer como monstro aquático, curvado sob o peso de todas as cabeças que havia atribuído a seus companheiros.
* Esses três contos foram retirados de: O livro dos seres imaginários, de Jorge Luis Borges. Ed. Globo, 1974, RJ.