segunda-feira, 25 de outubro de 2010

SEM NOME E SEM ROSTO

Comprei um tênis vermelho

para me lembrar quem fui

e uma bota de couro e cano longo

para me dizer quem agora sou.

Passos e vozes cruzam os meus, nos cotidianos

- idos-e-vindos - de uma rua qualquer.

Sem rosto!

O que fui e o que sou, não tem importância.

O que não tem nome sabe que tive uma vida simples.

Li, e fui feliz*.

*- Plágio descarado de uma frase de Rachel Valença, que trabalha comigo na FCRB. A frase é tão boa que ela vai colocá-la como epígrafe em seu ex-libris.

REFLEXÕES OCIOSAS

- São seus olhos que me envelhecem.

- Vinho bom é o que eu posso comprar.

- O problema de envelhecer é que seus olhos continuam jovens. (Softwares, em geral, duram mais que hardwares).

- Cada um é a dor de cada outro.

- A tragédia alheia, de certo modo, sempre nos reconforta.

KOAN PROFANO*

A sabedoria é uma filosofia.

A filosofia não dá conta da sabedoria.

Logo, o que é sabedoria? O que é filosofia?

* Numa “entrada” anterior do blog, expliquei que na relação mestre/discípulo, o koan é uma pergunta feita com a finalidade de quebrar a razão, seja na formulação da pergunta, seja na produção da reposta. (“Qual a som de uma só mão batendo palmas?”). A função do koan é romper essa barreira da lógica e da racionalidade, fazendo, assim, com que o discípulo perceba uma outra realidade fora, além de ambas. Já o Koan Profano foi inventado por mim com essa mesma finalidade, porém sem estar necessariamente condicionado à fins religiosos.

CONTOS ORIENTAIS*:

1) – O Dragão Chinês.

A cosmogonia chinesa ensina que os Dez Mil Seres (o mundo) nascem do jogo rítmico de dois princípios complementares e eternos, que são o Yin e o Yang. Correspondem ao Yin a concentração, a obscuridade, a passividade, os números pares e o frio; ao Yang, o crescimento, a luz, o ímpeto, os números ímpares e o calor. Símbolos do Yin são a mulher, a terra, o alaranjado, os vales, os leitos dos rios e o tigre; do Yang, o homem, o céu, o azul, as montanhas, os pilares, o dragão.

O dragão chinês, o lung, é um dos quatro animais mágicos. (Os outros são o unicórnio, a fênix e a tartaruga). No melhor dos casos, o dragão ocidental é aterrador, e no pior, ridículo; o lung das tradições, pelo contrário, tem divindade e é como um anjo que fosse também um leão. Assim, nas Memórias Históricas de Ssu-Ma Ch’ien lemos que Confúcio foi consultar o arquivista ou bibliotecário Lao-Tsé e que, depois da visita, declarou:

- Os pássaros voam, os peixes nadam e os animais correm. O que corre pode ser detido por uma armadilha, o que nada por uma rede e o que voa por uma flecha. Mas aí está o dragão; não sei como cavalga o vento nem como chega ao céu. Hoje vi Lao-Tzé e posso dizer que vi o dragão.

(...)

CHuang-Tzu nos fala de um homem obstinado que, ao cabo de três anos ingratos, dominou a arte de matar dragões, e que pelo resto de seus dias não se deparou com uma só oportunidade de exercê-la.

2) – Kujata.

Segundo um mito islâmico, Kujata é um grande touro dotado de quatro mil olhos, de quatro mil orelhas, de quatro mil ventas, de quatro mil bocas, de quatro mil línguas e de quatro mil pés. Para ir de um a outro olho, ou de uma orelha a outra, bastam 500 anos. Quem sustenta Kujata é o peixe Bahamut; sobre o lombo do touro há uma rocha de rubi, sobre a rocha um anjo e sobre o anjo nossa terra.

3) – O Cem-Cabeças.

O cem-cabeças é um peixe criado pelo Karma de umas palavras, por sua póstuma repercussão no tempo. Uma das biografias chinesas de Buda conta que este se encontrou com uns pescadores que arrastavam uma rede. Ao cabo de infinitos esforços, trouxeram à praia um enorme peixe com uma cabeça de macaco, outra de cachorro, outra de cavalo, outra de raposa, outra de porco, outra de tigre, e assim, até o número cem.

Perguntou-lhe Buda:

- Não és Kapila?

- Sou Kapila, responderam as cem cabeças antes de morrer.

Buda explicou aos discípulos que, numa encarnação anterior, Kapila fora um brâmane que se havia feito monge e que a todos havia superado na compreensão dos textos sagrados. Por vezes, os companheiros se enganavam e Kapila os chamava de cabeça de macaco, cabeça de cachorro etc. Quando morreu, o Karma dessas invectivas acumuladas o fez renascer como monstro aquático, curvado sob o peso de todas as cabeças que havia atribuído a seus companheiros.

* Esses três contos foram retirados de: O livro dos seres imaginários, de Jorge Luis Borges. Ed. Globo, 1974, RJ.

O QUE É O TEMPO?

- Conta uma historieta zen que o mestre pediu ao discípulo que fosse pegar um copo d’água. O discípulo saiu para pegá-lo e, nesse percurso, encontrou uma bela donzela com quem casou e teve filhos. Passam-se os anos e, um belo dia, o discípulo lembrou-se do copo d’água que seu mestre havia lhe pedido. Esbaforido, pegou e encheu o copo, encontrou seu velho mestre que meditava e deu-lhe, finalmente, seu copo com água. E o mestre, então, olhando-o bem nos olhos, respondeu:

- Já?

O QUE É O REAL?

- O taoísta Chang-Tzu desenvolveu no séc. IV a. C. uma teoria sobre o real. Não se trata de negá-lo, dizia ele, mas sim da impossibilidade da distinção entre o que ele é ou não é. Qual a diferença entre vigília e sono? Estamos despertos porque estamos acordados, ou estamos acordados só quando estamos sonhando? O sonho é coerente até o momento em que acordamos; a vigília é coerente até o momento em que dormimos. Como afirmar que um é mais real que o outro?

Por exemplo:

- Certa vez Chuang-Tzu sonhou que era uma borboleta e, uma vez acordado, não sabia agora se era uma borboleta sonhando ser Chuang-Tzu.

- Borges, num encontro que teve com si próprio num banco de praça em Boston, diz o seguinte: “Se essa manhã e esse encontro são sonhos, cada um dos dois tem que pensar que o sonhador é ele”.

- Lewis Carroll conta a seguinte história: "'Ele está sonhando agora', disse Tweedledee, 'e com quem é que você pensa que ele está sonhando'? 'Ninguém pode adivinhar uma coisa dessas', observou Alice. 'Ora, ora, é com você’! exclamou Tweedledee batendo palmas triunfalmente. 'E se ele deixasse de sonhar com você, onde é que você acha que estaria’? ‘Aqui, no mesmo lugar, é claro’, disse Alice. ‘Nada disso!’ replicou Tweedledee com desdém, ‘você não estaria em lugar nenhum, pois você é apenas uma espécie de imagem no sonho dele! Se o Rei acordasse’, acrescentou Tweedledee, ‘você se apagaria - puff - como a chama de uma vela’”.

- Shakespeare, por sua vez, diz: “Somos a matéria de que os sonhos são feitos”. Certo, mas eu gosto de pensar que podemos inverter essa frase. Assim: “Somos o sonho de que a matéria é feita”.

- E, finalmente, vejam essa reflexão de Alberto Caeiro, segundo eu mesmo, o melhor dos heterônimos de Fernando Pessoa: “Não sei quem me sonho”.

Respectivamente:

- J. L. Borges, “O outro”, p. 9. O livro de areia.

- L. Carroll, “Capítulo 4”, p, 175. Através do espelho, ou o que Alice encontrou lá.

- W. Shakespeare, A tempestade, 4 ato, 1ª cena.

- A. Caeiro, ‘Chuva obliqua”, p, 114. In: Fernando Pessoa, O EU profundo e os outros EUS.

KOAN PROFANO:

De que sonho é feito o real?

O SENTIDO DESSE BLOG

- Conta uma singela historieta zen que um lenhador estava cortando árvores na floresta, quando viu uma que não valia a pena cortar. A historieta termina dizendo que, do ponto de vista dessa árvore, ser inútil foi perfeitamente útil.

Bem, é com esse sentido de inutilidade que eu gostaria que o meu blog fosse lido, apreciado e avaliado.

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quarta-feira, 20 de outubro de 2010

CASA DA BRUXA





Magnífico sobrado sinistro situado na prosáica rua Bambina. As pessoas passam por ele, mas parecem não reparar a sua singular e lúgrube beleza.
Quem será que mora nele? Bem, "jo no creo en brujas, pero que las hay, las hay!"
Pelo sim, pelo não, eu não passaria uma noite nele. E você?

sábado, 16 de outubro de 2010

FILOSOFAR

Repare:
O gato, na janela, filosofa.
O cachorro, na janela, filosofa.
É que filosofar, é a arte
de olhar pela janela.

MEU BLOG

- As vezes me pergunto quantas pessoas leem o meu blog: 5, 10? Não importa! Se a platéia está lotada, diz Bukoswki, há algo errado com o poeta. (Devo essa relexão ao meu filho Pedro, que anda lendo o Bukoswki adoidado...)

Versos, frases, pensamentos que gostaria de ter tido/dito/escrito

- Envelhecer não é para covardes. Bette Davies.

A POESIA

I
O que importa na vida,
não pode ser dito.
É por isso que o não-dito
é mais importante que
o dito dito.
II
A poesia nasce de um desastre:
o pensamento nunca cabe
nas palavras que o expressam.
III
De um lado, pensamentos que não cabem em palavras;
de outro, palavras que remetem para significados
que se situam fora delas.
IV
A poesia é
uma metáfora da imaginação.
V
Dela, ela não nasce,
aflora!

BUDISMO E ZEN

- A rigor, budismo e zen não são religiões; são rigorosas doutrinas, sábias disciplinas de ordem espiritual. Budismo e zen são para serem pensados, não para serem rezados. (A propósito: Jung disse do budismo: "é um imenso mundo-pensamento").

O ZEN

I
Silenciosamente, a linguagem do zen desfaz o nó
- desenlaça, desembaraça, desentrelaça -
que nos enfeitiça por entre tramas e manhas
da linguagem e da razão.
II
O zen não é religião:
não tem um deus uno e universal,
não tem dogmas, nem está possuído
por verdades exclusivas.
(O zen não sabe do que fala e, só por isso, fala).

A ABSURDA LUCIDEZ

I
Sairdesi/paraencontrarem si/essesi/quemoraemsi.
Filosofar é:
aprofundar-si.
II
A transcendência é aqui:
do ego para o sem ego.
III
profanamente é demasiadamente.
IV
A dúvida é a mãe da sabedoria:
é a única certeza do ateu.
V
Deus não habita no céu:
habita na linguagem.
VI
Liberdade é recusa.
VII
O mundo do ateu é tolerante:
é recheado de deuses.
VIII
E a cada noite,
cato os cacos,
de mim.

O NÃO-SER

Não é contrário,
pois não é oposto ao ser.
Não é diferente,
pois faz parte dele.
Não é inverso,
pois como totalidade,
gera e contém o ser.

Ser é linguagem,
Não-ser se cala.

Um tem nome,
o outro não.
Um é história,
o outro está fora.

Ser é discurso.
Não-ser não.

O BUDA

I
Fossem seres, fossem bichos,
esse ou aquele,
sim, agora Sidarta sabia:
- um e nenhum eu, uma e nenhuma realidade.
(E uma mesma totalidade).
II
Assim,
sendo Buda e não mais Sidarta,
ou Sidarta e não mais Buda,
não havia mais eu, nem realidade
na consciência unificada de Sidarta Gautama,
o Buda.

SABEDORIA

I
O sábio sábio sabe que o que sabe
- indizível -
não se transmite.
II
O sábio sábio sabe que o que sabe
sabe por conta própria.
III
A sabedoria não tem objetivo,
nenhuma finalidade discernível.
Não serve pra coisa alguma
a não ser, - é claro! -
só ser.

A TRANSGRESSÃO

A transgressão é um pensamento
pensando suas possibilidades
enquanto pensamento.

A MEDITAÇÃO

- Meditar não é esvaziar-se de si, como querem o Budismo e o Zen, mas inundar-se de si.
- Meditar é tomar conta de si: apropriar(se); observar(se); saber(se) entre os demais. É por isso que ela não tem "função", nem "objetivo"; não "leva", não "conduz", não "proporciona". A meditação apenas ajuda o sujeito a se produzir comosujeito/parasimesmo/enquantosujeito.
(Imersa, inundada, banhada pelo silêncio - muda - a meditação fala com o sujeito sobre ele mesmo).

PARADOXOS

I
A forma não tem conteúdo.
Faz parte do vazio.
O vazio tudo penetra.
Conteúdo é a sua forma.
II
A meditação é um pensamento
que se debruça sobre o pensamento
pensando não-pensamentos.
III
Muda,
a meditação fala,
sobre ela mesma.
IV
Tudo em todos,
o único real é o vazio.
Afirmado ou negado,
tudo é irreal.
V
Loucura é o oposto da razão.
Razão é loucura.
VI
O mundo é ilusão;
Brahma é o mundo (Uppanishad).
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segunda-feira, 4 de outubro de 2010

ILUMINAÇÃO E PESADELO

A iluminação no real:
tartarugas e arraias marinhas
beirando os costais da pedra do Leme.

O pesadelo no real:
- "Pena eu não ter um arpão", disse o boçal saradão
pra gata que babava ao seu lado.

ENIGMA

E então,
que Deus virá, um dia, nos confortar
de nossas humanas fragilidades?
Qual provará o doce amargo
que nos revelará, afinal, quem somos?
Seis palmos de terra é a medida certa de cada um.

(Um gato miando e balançando a cauda.
Loucura... é o cotidiano dos simples!).

E então,
o que é o tempo que marca compassos díspares,
conforme se é vivo,
conforme se é morto?

E então,
quem beberá do cálice santo numa cerimônia pagã,
e quem dirá, como o verdadeiro deus,
que em sua infinita ausência sucede à todos:
"Eu sou aquele que sou"?

E então,
que filósofo, hoje,
- eu, você? -
se debruçará sobre o mesmo rio que Heráclito disse
que não se pode atravessar duas vêzes?

(E então,
só entre cinzas de meu corpo inerte,
saberei, afinal, com retidão,
quem fui e quem, agora, sou).

O ÓCIO

Ócio eficaz:
primeiro estágio da contemplação,
ante-sala da sabedoria.
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