sexta-feira, 29 de julho de 2011

A RELIGIÃO E SUAS CERTEZAS.

Em seus próprios termos, as religiões formais oferecem promessas verificáveis e evidentes por si mesmas.
Assim:
- Um sentido para a vida - através da fé.
- A fé num Deus - que pune os maus e recompensa os bons.
- A confiança incondicional Nele - contra o medo e a insegurança.
- A comunhão tranqüilizadora através de práticas coletivas e solidárias.
- A consolação diante da inevitabilidade da morte.
- A certeza da redenção e da salvação.
Verdades exclusivas, definitivas e universais. E promessas, bem entendido - uma vez que você só as desfrutará depois de morto -, veiculadas como verdades definitivas, universais e exclusivas.
Certezas que logo se transformam em dogmas.
Uma verdade definitiva, exclusiva e universal aprisiona e engessa. Fragiliza, enfraquece a alma. É como diz o poeta: “Ninguém sabe que coisa quer/Ninguém conhece que alma tem/Nem o que é mal nem o que é bem/Tudo é incerto e derradeiro/Tudo é disperso, nada é inteiro. (Fernando Pessoa, O EU profundo e os outros EUS).
Só há uma universal, exclusiva e definitiva verdade:
Toda verdade é precária, múltipla e provisória.

A fé, por sua vez, de nada duvida e a tudo responde:
(Acreditando que tudo está dado, ela paralisa a experiência do possível).
Pelo viés da certeza e do dogma, ela funciona, agrega e consola porque envolve a crença na continuidade do ser diante da sua inexorável descontinuidade.
- Dota a vida - diante da morte - de um significado.
- E a morte - diante da vida - de um sentido.
Mas ela também cobra seu preço: perda de autonomia existencial e psíquica, dependência, limites. Mas o religioso, certamente, responderá que sua autonomia psíquica e existencial se dá dentro da igreja e da religião formal. Bem, não deixa de ser um ponto de vista, já que a dúvida também não deixa barato as questões que levanta.
Entretanto, me parece certo que uma verdade imutável empobrece, ao passo que uma dúvida profunda enriquece.
(Ter certezas sobre os mistérios da vida é empobrecê-los/empobrecê-la/empobrecendo-se).
É por isso que o ateísmo não embute certezas definitivas, universais e exclusivas: ele é simples reflexão, opinião, conflito... e profunda solidão.
Certezas religiosas são uma espécie de bengala psicológica na qual o sujeito se apóia para não cair dentro de si mesmo.

(É que cair dentro de si mesmo... doi!).

REFLEXÕES OCIOSAS.

- Do mesmo modo que todos temos uma alma individual, assim também o mundo tem a sua: Brahma, como dizem os indus, é a alma do mundo.

- Criatividade: pena, não sou suficientemente angustiado.

SABEDORIAS PROFANAS.

- (...) Perdeu-se, porém, um pouco da dimensão filosófica e existencial da droga. (Arthur Dapieve, no artigo que escreveu sobre a morte de Amy Winehouse - “Amy” - comenta o fato de que as abordagens modernas do problema das drogas dizem exclusivamente respeito a sua dimensão no campo da segurança pública e da saúde).

- A vida é uma coisa bastante precária e assim pretendo consagrar a minha à reflexão sobre ela. Arthur Schopenhauer.

- O “Transcendental” Kantiano é, em certo sentido o oposto do “transcendente”, visto que a análise transcendental [de Kant] consiste precisamente em demonstrar que não podemos – e porque não o podemos – tomar conhecimento do transcendente. (...) Kant partiu todas as cadeias argumentativas que sustentavam a prova racional da existência de Deus e que haviam sido tão majestosamente trabalhadas o decorrer do século anterior. (...) Desse modo, Kant também destruiu a metafísica tradicional, mas ao mesmo tempo, fundou a moderna teoria do conhecimento, erguendo-a das crenças recebidas na pia batismal. A. Schopenhauer.

- Não vou precisar disso para a minha maneira essencial de ser. Goethe, ao dispensar seu professor de geometria.

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quarta-feira, 27 de julho de 2011

Transcrevo o artigo que o meu filhoPedro escreveu em sua coluna de música no blog "Lixeira Dourada".
Quanto a mim, nunca curti muito a Amy Winehouse, muito menos a música a música que ela fazia.





"Chegou a hora de dizer Adeus pra você, Amy.

Não, eu não vou fazer nenhum tipo de texto nostálgico pra lembrar dos grandes momentos dela. Também não vou contar sua história de vida. Eu vou falar sobre Rock, sobre fama, sobre loucura, sobre drogas.
Foi aos 27 anos. A gente já sabe da maldita maldição que levou embora nossos heróis. Hendrix, Morrison, Janis, Kurt, e agora Amy. Uma coincidência escrota que mostra o limite da auto-destruição.Todos eles. Artistas loucos e perdidos com tendências suicidas. Hendrix se sabotou, Morrison também, Janis foi enterrada viva, Kurt 'acabou com essa porra de uma vez por todas' e agora, Amy se sabota também. Segue o exemplo. Mais uma pra lista.
Amy tinha um cabelo estranho, era coberta de tatuagens, cantava letras melancólicas e se afogava em bebidas e drogas de todos os tipos. Chegava trêbada no palco, regugitava algumas poucas palavras e ia embora. Os fãs rosnavam, gritavam, chingavam. E por isso gostavam mais ainda dela. A decadência de Amy era glamurosa, era estilosa. Decandence avec Elegance, diria Lobão. Estilo é a resposta para tudo, diria Bukowski. Dito e feito.
Há algo extremamente romântico em um popstar decadênte e suicida. Kurt Cobain vestindo uma langerie e saindo de quatro do palco no Hollywood Rock. Jim Morrinson sendo preso em plena apresentação do Doors. As surubas do Hendrix. As montanhas de cocaína de Keith Richards. Os porres históricos de Amy Winehouse. Todos nós assistimos a morte lenta de Amy há anos. Notícia após notícia, semana após semana. Só o que faltava era a data marcada no calendário.
Agora, nos resta a piada que saiu numa revista inglesa: "They tried to make her go to rehab, but she said no". Cruel, porém verdadeira. O que nos resta agora? Rezar pelo fim da loucura que paira o mundo do rock é o mesmo que rezar pelo fim do próprio rock? Estamos fadados a ver nossos grandes ídolos se suicidarem lentamente? Alguém liga pro Pete Doherty, pro Mickey Rourke, pra Britney, pro Frusciante...É isso. Tudo tem um fim. Inclusive, nos pega de surpresa, as vezes.


Chegou a hora de dizer Adeus pra você, Amy."

quarta-feira, 20 de julho de 2011



Maio de 1968.
Estudava cinema em Nanterre - onde tudo começou - e morava no Quartier Latin; mas sempre fui mais chegado a uma contracultura, as "coisas do Oriente".
Assim, entre passeatas e barricadas no boulevard Saint-Michel, dei um tempo:
Peguei minha mochila e fui "lavar pratos" Europa afora.

O BUDISMO:

Mais: doutrina para ser pensada.
Menos: religião para ser rezada.
Linguagem espiritual,
- discursos -
onde escolas espirituais diversas encontram abrigo,
suporte e sabedoria.
Entretanto, oriundas do próprio Buda ou de doutrinas posteriores, há afirmações e pressupostos no Budismo que provocam uma vertiginosa orfandade espiritual - e um frio na espinha - naqueles que mergulham com profundidade em suas implicações psicológicas e existenciais:
Assim:
Deus não existe.
Religiões são inúteis.
O “Eu” é ilusório.
Viver é sofrimento.
Morrer é penetrar no vazio.
O mundo como ilusão, o sofrimento como condição, o vazio como destino. Não, não há saída ou consolo, para o Budismo:
Ser é sofrer,
Não-Ser é vazio*.
Mas quantos, dentre os que se dizem budistas, mergulham à fundo nessas questões? Sim, porque o Budismo, como mergulho em direção ao que nos fere por dentro, não se dirige a nada que não esteja no centro do próprio sujeito, ao que nos torna frágil psicológica, existencial e filosoficamente; ao que nos torna, enfim, humanos.
*Sobre a definição de vazio, ver post anterior: A física moderna e o taoísmo.

KOAN PROFANO.

Cabem as águas do mar dentro do vazio?
(Não, pois cada gota já o contém).

O BUDISMO NÃO É RELIGIÃO.

Não, o Budismo não é religião porque:
Não parte de visões teocêntricas do mundo e da criação.
Não conta histórias enigmáticas sobre origens e destinos.
Não foi "dado" aos homens como graça para redimi-los e salvá-los.

Não, o Budismo não é religião porque:
Não tem "causa primeira".
Não tem nem povo eleito.
Não, o Budismo não é religião porque:
Não há nele a idéia fundadora de um "enviado" cuja missão é resgatar os homens do pecado, revelando uma verdade além deles próprios.
Não incorpora "missão" alguma, e nenhuma contemplação como prêmio.
Não é profético, não anuncia o final dos tempos,
Nem a redenção no Reino dos Céus.

O DESEJO.

Inútil lutar contra o desejo,
porque o desejo não tem objeto.
Não se esgota!
O desejo deseja.

KOAN PROFANO.

O desejo não sabe (o) que deseja.
O desejo é maior que o sujeito que deseja.
O desejo é maior que o desejo (O desejo nunca cabe).
O que é que se deseja, sem que se saiba o que?

SABEDORIAS PROFANAS.

- Cada homem trás em si a totalidade da condição humana. Montaigne.

- Morre e torna-te. Paul L. Landsberg.

- Duvido que o sofrimento nos torne mais morais; no entanto, nos torna mais profundos. F. Nietzsche.

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quinta-feira, 14 de julho de 2011

A FÍSICA MODERNA E O TAOÍSMO.

“A concepção de universo e de matéria é tão avançada no taoísmo que não surpreende que a física moderna - racional, pragmática e lógica - esteja hoje corroborando algumas de suas mais estranhas afirmações. Um dos mais enigmáticos conceitos do tao é o que diz respeito ao não-ser, de onde, segundo ele, provem o ser - pois como pode o que não é, gerar o que é? Tanto como na física moderna não se pode afirmar que uma partícula exista num determinado lugar, nem que ela não exista nesse mesmo lugar. Ela existe e não existe ao mesmo tempo, nesse lugar e em lugar nenhum, o que quer dizer que as funções probabilísticas dessa partícula fazem com que ela possa estar em vários lugares simultaneamente e em nenhum deles especificamente. O que a moderna física quântica e a física das partículas mostram é que não há entidades distintas na matéria, mas que elas se vinculam indisssociavelmente entre si e em seu ambiente. Isso significa que suas propriedades particulares só podem ser entendidas, se vistas a partir de suas interações recíprocas e com o meio que as circunda”. Fritjof Capra, O Tao da física.

SEGUNDO A FÍSICA MODERNA:
Dentro do campo da Mecânica Quântica, o físico Werner Heisenberg criou um conceito que denominou “Princí
pio de Incerteza”, segundo o qual qualquer tentativa de se determinar a posição de uma partícula qualquer, muda necessariamente a determinação da posição dessa determinada partícula.

- "Se perguntamos se a posição do electron se mantém igual no tempo, devemos dizer que não; se perguntamos se a posição do electron muda com o tempo, devemos dizer que não; se perguntamos se o electron está em repouso, devemos dizer que não; se perguntamos se está em movimento, devemos dizer que não". Oppenheimer. In: Luis Racionero, Filosofias del underground.

- "Temos que admitir que a estrutura da célula nunca será compreendida como a da água ou a das moléculas da glicose. A estrutura exata da maioria das macromoléculas dentro da célula continuará desconhecida e, alem disso, sua localização relativa no interior da célula só pode ser vagamente estimada". James Watson. In: Molecular Biology of the gene.

SEGUNDO O TAOÍSMO:
- "Sendo inefável, só é exprimível negativamente; não possui qualidades sensíveis, não tem atividade, ainda que seja suprema eficácia; não tem forma, nem nome. As palavras de que somos obrigados a servir-nos só podem, quando muito, representar os seres finitos e suas qualidades – o tao está fora do seu alcance". Max Kaltenmark. In: A filosofia chinesa.

- "O que viu, mas não foi visto – eis como se define o Invisível.
O que ouviu, mas não foi ouvido – eis como se define o Inaudível.
O que tocou, mas não foi tocado - eis como se define o Intangível.
(...)
Não é por sua ascensão que existe a Luz,
Nem por sua profundidade que existe a escuridão.
Incessantes e contínuas,
Nenhuma pode ser definida.
(...)
E porque esta é chamada também o Inevitável:
Tenta encontrá-la e não verás sua face;
segue-a e não verás suas costas".
In: A filosofia “materialista” chinesa. (Ed. Associação Macrobiótica de Porto Alegre).

- "O tao não pode ser ouvido; o que se ouve não é ele. O tão não pode ser visto; o que se vê não é ele. O tão não pode ser enunciado; o que se enuncia não é ele; Quem engendra as formas é sem forma". Chang-Tzu. In: François Cheng, Vacío y Plenitud.

Gosto de pensar que o Big-Bang partiu do que os budistas denominam de vazio -
o que tudo contém -, pois esse conceito contempla a idéia de um, digamos, "sopro primordial" que deu origem ao universo, tanto quanto o mantém em equilíbrio e harmonia.
De qualquer modo, a diferença entre essas afirmações - a semelhança sendo que partem do mesmo princípio e dizem a mesma coisa - é a de que a do taoísmo remonta a uma época incrivelmente anterior, quando não se sabia o que era física, ciência, electron, moléculas, partículas etc. Hoje, as certezas da física moderna corroboram as intuições do taoísmo clássico: certezas como intuições, na física; intuições como certezas, no taoísmo.
O conceito de “vazio”, por sua vez, é uma das mais instigantes, difíceis e complexas de toda a doutrina do taoísmo (também do budismo e do zen). De qualquer modo, acho que o que a física moderna e o taoísmo têm em comum é essa constatação de que há um lugar, ou melhor, um não-lugar, pleno de significado e conteúdo. O que ele é (ou não é), no que consiste, bem, isso nenhum dos dois sabe.... Sabem, por outro lado, que ele existe, mas não sabem onde ele está, não sabem de que matéria é feito, nem sabem porque ele é assim, e não de outro modo. Parece que há algo no universo – no micro e no macro – que, por algum motivo não se mostra, senão através de seus efeitos. É Deus, é o Tao, é o vazio, não importa, ele nunca será (ou não será) o que você achar que ele seja.

(Se é que você me entende...).

O VAZIO.
A forma não tem conteúdo.
Faz parte do vazio.
O vazio tudo penetra.
Conteúdo é a sua forma.

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segunda-feira, 11 de julho de 2011

O ZEN E A ARTE DO CHÁ.

Chá: ferver, preparar, beber - como condição necessária para o prazer do espírito.
Prática espiritual como prazer do gosto.

BEBER O CHÁ I
Ética de conduta.
Ritual e patrimônio.
Simplicidade e atenção.
Experiência pessoal e intransferível.
Caminho espiritual.
Filosofia.
Serenidade, desapego...
E nenhuma separação.
(E viva Kakuzo Okakura, que disse: “(...) É higiene, porque impõe limpeza; é economia, porque revela o conforto que existe na simplicidade; é geometria moral na medida em que define nosso sentido de proporção face ao universo”. In: Kakuzo Okakura, O livro do chá).

Herdeira direta da espiritualidade do budismo e do Zen – a arte de beber o chá nasceu nos mosteiros budistas da china, quando os monges o tomavam para se aquecerem do frion e se manterem acordados durantes as longas recitações dos sutras -, a cerimônia do chá está hoje incorporada ao patrimônio do Japão como uma de suas mais importantes heranças históricas. Os mestres da arte do chá foram de decisiva importância para a recuperação e a preservação desse legado espiritual que hoje enriquece o patrimônio cultural japonês: “Após o declínio da casa imperial japonesa no período medieval, foram os mestres do chá que registraram, catalogaram e trabalharam no sentido de preservar os tesouros históricos.” Hounsai Genshitsu Sem. In: Kazuzo Okakura, O livro do chá.

BEBER O CHÁ II
Harmonia e equilíbrio.
E como se bebe o chá? Como se bebe o Zen.
E como se bebe o Zen? Como se bebe o chá.
E que gosto o chá tem? Gosto de Zen.
E que gosto tem o Zen? Gosto de chá.

Harmonia e equilíbrio.
Condição de toda prática.
Toda prática como condição de toda espiritualidade.
Toda prática e toda espiritualidade como condição de
Harmonia e equilíbrio.
(Não há separação entre o chá e o ato de bebê-lo - ou entre chá e Zen -, porque provar um é degustar o outro).

SABEDORIA PROFANA.

- Se você puder servir uma chícara de chá de maneira adequada, pode fazer qualquer coisa. Gurdjieff.
George Gurdjieff f(1866/1949)foi um mestre, um guru, um místico que agitou com seus ensinamentos esotérios a Europa em meados do século XIX. Como todo grande sábio é também um grande charlatão, Gurdjieff, sem dúvida, foi um grande sábio.

(Fico imaginando que as pessoas ficam imaginando que a arte do chá está necesariamente na pompa, no ritual, na solenidade; algo bem distante delas, do seu dia-a-dia. Fico imaginando que as pessoas também ficam imaginando que a sabedoria é algo grave, difícil e solene, que só os grandes Mestres conseguem atingir. Discordo. Adorno, o grande filósofo alemão disse uma vez que “Deus está nos detalhes”. Acho que é mais ou menos por aí: beber o chá, tanto como a sabedoria, está no que é simples, tranquilo e cotidiano. Já está no jeito, na maneira como você é. Essa é a diferença entre o que é iluminado e o que (ainda) não é: é que o primeiro sabe que não é diferente, que não há diferença substancial entre um e outro.).

REFLEXÕES SEM DOR.

- A sabedoria dispensa a crença.

- O piedoso, o dócil e o virtuoso são inimigos da sabedoria.

- O possível não se esgota no pensável. (Nada aterroriza mais a razão que o delírio do pensamento).

SABEDORIAS PROFANAS.

- Reconhece o que está a vista, e o que está oculto te será evidente. Evangelho (perdido) de Tomás.

- Resta viver, encontrar novamente uma significação para essa aventura individual e coletiva que arrasta os homens em sua torrente. Georges Suffert.

- “As árvores, os arbustos, as plantas são o enfeite e a vestimenta da terra. Jean Jacques Rousseau.

- Deus não faz diferença: para ele tudo é um/Ele faz o mesmo para a mosca e para ti. Angelo Silesius.

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terça-feira, 5 de julho de 2011

O SILÊNCIO.

Calar é perceber o indizível que habita toda linguagem:
O não dito do dito.
A fala é sempre menor que seus significados possíveis.

É aí, nessa brecha entre o dito e o não-dito que se aloja, se hospeda o silêncio da fala, isto é, do Zen.

KOAN PROFANO
Como é a fala do silêncio que,
porque não fala fala?

A MEDITAÇÃO.

Na meditação, não há lugar nenhum - a partir do qual algo possa levar a algo.
Na meditação, não há lugar algum - a que alguém possa levar alguém.
Na meditação, não há lugar algum, lugar nenhum - que não seja aqui mesmo.
É difícil para o ego, separado, intransigente e auto-afirmativo, entender essa descontinuidade como continuidade indiferenciada.

Mas é assim que é:
Não vamos a lugar nenhum, porque já estamos.
(Apenas descontinuamos... para continuar).

A ÁRVORE QUE ILUMINOU O BUDA.

Uma figueira, diz a tradição, foi esse o sólido tronco dessa velha árvore.
Mas, porque não uma mangueira, manacá, salgueiro, cerejeira, amoreira?
Ou seringueira, cedro, hibisco, magnólia?
Um ingá, araucária, tamarindo?
Talvez castanheira, bauínia, carvalho, nogueira ou casuarina?
Um jatobá, jamelão, jabuticabeira, jaqueira, jasmim, jacarandá?
Quem sabe, então, maçaranduba, palmeira, cambará, babaçu?
Ou flamboyant, ou mogno, ou acássia, ou buri, ou macaúba?
Árvores tantas, árvores muitas, árvores todas, todas prontas, dispostas à acolherem em seus fartos troncos, o solitário e o cansado Buda.
(De que fontes imemoriais de sabedoria o Budismo criou a tradição da iluminação do Buda junto a uma árvore? Em todo caso, um caminho de mão dupla, sem dúvida).
Assim:
Raízes simbolizam o nascimento do ser como possibilidade de ser. Tal como raízes penetram na terra, assim também o ser deve penetrar em si próprio.
- Abrigo, privilegiada morada.
Tronco é o corpo, cujo inexorável destino é crescer.
- E desenvolver-se.
Galhos são caminhos, alternativas, expansão da consciência, destino de espalhar-se.
- E multiplicar-se.
Floração é o ápice da vida, sabedoria como consciência de si. Individuação, - E frutificar-se.
A queda de seus frutos, por outro lado, marca o fim e o começo de uma nova árvore.
Quer dizer, de uma nova vida.
Quer dizer, de uma nova árvore.
Quer dizer...
É perfeitamente adequado, pois, que Buda e árvore si remetam e si confundam, de modo a que não se saiba mais - na iluminação ou Salvação Pessoal do Buda - onde começam-si e terminam-si.
(Porque já então, não haverá mais Buda, nem tronco, nem árvore a serem diferenciados percebidos como tais).

O DEVANEIO.

Não tem porto, nem ancora.
Escorre.
Matéria bruta que a mente poli.
Às vezes, doma.
Às vezes, não.
Um banco de praça, uma janela de ônibus, a graça do comum, a riqueza do simples e do acaso (sem intenção, significa curtição): Diz Nietzsche: “E a isso chamo o imaculado conhecimento de todas as coisas: que nada quero das coisas, a não ser o direito de deitar-me diante delas como um espelho de cem olhos.” In: Friedrich Nietzsche, Assim falou Zaratustra. Obras-primas do acaso, do fortuito e do imediato, resumos do humano.

O estranhamento como experiência sobre o possível de cada outro.
O devaneio é uma porta, ante-sala da iluminação profana.

SABEDORIAS PROFANAS.

- A minha alucinação é suportar o dia-a-dia/e o meu delírio é a experiência com as coisas reais. Belchior.

EPICURO.

Sem sofrimentos físicos ou perturbações da alma.”*
Morreu Epicuro:
Bebendo vinho,
Imerso numa banheira de água quente.
(Isso é que é sabedoria!).
* Para Epicuro, o prazer é “ausência de sofrimentos físicos e perturbações da alma”. Epicuro, Carta sobre a felicidade ( a Meneceu).

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sábado, 2 de julho de 2011

O MESTRE E O DISCÍPULO.

O maior, senão único, tributo que um discípulo paga a seu mestre,
é ultrapassá-lo.
A maior lição, senão única, que um mestre dá a seu discípulo,
é liberá-lo.

Koan profano (1):
Quanto mais se reverencia um mestre, menor se fica.
Quanto mais se cultua um mestre, menos equilibrada é a relação.
(E menos potente o ser).
Nessa relação - inevitavelmente datada - cabe ao discípulo compreender que o mestre é aquele que não ocupa Lugar-Nenhum, ou melhor, que o único lugar que ele ocupa é o “lugar vazio”, pois só a partir dele é possível que o discípulo “caia em si"; isto é, esvazie-si; isto é, duvide; isto é, aprenda; isto é...
O verdadeiro discípulo deve entender que não há Lugar-Nenhum que o mestre possa estar para, daí, formular seu discurso. Lugar-Nenhum significa:
- Não há “lugar de discurso”, a partir do qual o mestre se pronuncia.
- Não há, de um lado, mestre e, de outro, discurso, pois o mestre, sendo o que é, é o seu próprio e exclusivo discurso.
- Não há nenhum discurso a ser pronunciado, logo, Lugar-Nenhum é o lugar verdadeiro do verdadeiro mestre.
Mas, do que é que não se pode falar? Da sabedoria. Mas, porque não se pode falar da sabedoria? Porque ela diz respeito a uma verdade. Mas, porque não se pode falar de uma verdade? Porque ela é produto de uma experiência pessoal. Mas, porque não se pode falar de uma experiência pessoal de busca da verdade?
Bem, porque ela produz sabedoria.
Emudecer significa que o mestre não tem apego ao que diz, significa, sobretudo que, caminhando, o mestre não deixa marcas de seu caminho.
A sabedoria emudece o mestre. (Segundo Nietzsche: “Só se permanece filósofo mantendo o silêncio”. In: Friedrich Nietzsche, Humano, demasiado humano. Segundo os taoístas: “Quem sabe, cala”. Lao-Tzé, Tao-Te-King. Em tempo: o emudecer do mestre não significa necessariamente calar-se; significa dizer e nada dizer; a consciência do vazio que tudo percorre: “Essa ambigüidade do vazio - tornar possível o dizer e, ao mesmo tempo, nada dizer - levou os filósofos a relacioná-lo com o silêncio do sábio”. In: Juan Arnau, Antropología del Budismo).
A verdade é produto de uma experiência do pensamento sobre si mesmo. (Quem não a experimenta em si, não sabe do que ela trata).

Tal como a sabedoria, a verdade engaja o sujeito numa experiência de transformação pessoal. Exclusivamente produto de intuição, ela resulta do trabalho do sujeito sobre si próprio. Não pode ser passada adiante, não pode ser transmitida.
(Não se ensina, ou não é uma verdade).
Portanto, o mestre que tem verdades a dizer a seu discípulo está iludido, envolvido, enredado nas malhas e tramas de si mesmo:
Verdadeiramente, não é um verdadeiro mestre.

O MESTRE VERDADEIRO
- Não é aquele que sabe - o que o discípulo não sabe -, mas aquele que sabe que não sabe o que o discípulo sabe.
- Não é aquele que “transmite”, mas aquele que “permite que brote”.
- Não é o que aponta para algo, mas o que aponta - por ser como é - o discípulo para o próprio discípulo.
(Cabe a ele, portanto, reconhecendo esses atributos no seu mestre, deixar de sê-lo).
- Para o mestre, ensinar, é duvidar de suas certezas.
- Para o discípulo, aprender, é duvidar das certezas do mestre.

Koan profano (2):
O verdadeiro mestre,
sabe que não é um verdadeiro mestre.
Só assim, torna-se um verdadeiro mestre.
(E viva Lao-Tsé, que disse: “O homem verdadeiramente virtuoso/Não se tem como tal/É isso que faz dele verdadeiramente virtuoso”. Lao-tsé, Tao-Te-King. In: Julián Serna Arango, Ontologias alternativas).

Koan profano (3):
Seguir um mestre... é negá-lo.
Desfrutá-lo... é descartá-lo.

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