segunda-feira, 29 de agosto de 2011

REFLEXÕES OCIOSAS.

- Habito um pais - longínquo, porque dentro - chamado”Prazeres”.

- O ato criativo envolve necessariamente a transgressão - o ato transgressor -. Ou não é um ato artístico.

- A mãe da gente é como um oceano.

- Estou escrevendo um livro sobre o zen há mais de dez anos. Mas agora – ufa! – acho que terminei. Quer dizer, estou relendo, refazendo, revisando.
Não há consolo: nada é mais arbitrário que o ponto final.

O ZEN I
O Zen pode ser só Zen.
Pode ser budista ou taoísta.
Pode ser a mistura de um com o outro.
Ou nenhum nem outro.
Pois o que ele pode, ou não pode,
É, ou não é,
não tem importância!

O ZEN II
- O Zen, preso e condicionado às certezas do pensamento religioso, perde - coitado! - potência.
- O Zen não é uma religião para ser rezada, mas uma linguagem à ser decifrada.
- O Zen começa onde a filosofia emudece: de onde ela silencia, o Zen inicia.
- O Zen é a percepção de uma fala... sem a fala.
- A filosofia tem dúvidas.

Já o Zen, bem, o Zen também!
(E assim sabem - o mestre Zen e o filósofo - do charlatão que são para si próprios, porque sabem que nada do que dizem é verdadeiro).
- A função do Zen e da filosofia é prolongar o campo do possível. Filosofia e Zen são para os que acham que o real é pouco.

(Um cachorro, por exemplo, quando uiva para a lua, também filosofa...).

O ZEN III
Como filosofia, o Zen é um equívoco, pois filosofias lidam com dúvidas:

- E o Zen, bem, o Zen não tem nenhuma!
Então, como filosofia, o Zen deve ser mesmo religião.
Como religião, o Zen é um equívoco, pois religiões lidam com certezas:

- E o Zen, bem, o Zen não tem nenhuma!
Então, como religião, o Zen dever ser mesmo filosofia.
E estamos conversados!
E viva Montaigne que mandou transcrever numa das pilastras de sua biblioteca: “Isso não é dessa maneira mais que daquela outra ou que nenhuma das duas”. In: Michel de Montaigne, Ensaios. Livro I.

O ZEN IV
O Zen qualifica o pensamento enquanto pensamento, introduzindo um novo pensamento onde antes só havia o mesmo pensamento.
Logo, é filosofia.
O Zen singulariza o sujeito enquanto sujeito, introduzindo um novo sujeito onde antes só havia o mesmo sujeito.
Logo, é psicologia.
O Zen poetiza o sujeito, introduzindo devaneio, sensibilidade e delicadeza onde, antes, só havia realidade.
Logo, é poesia.

ZEN IV
“O Zen é uma combinação da psicologia chinesa e da filosofia hindu (...) uma combinação do pensamento prático chinês com as profundidades metafísicas do pensamento hindu”. In: Daisetz Teitaro Suzuki, El ámbito del zen.

KOAN PROFANO.

- O koan é o lugar de um possível encontro, talvez o único, onde o indizível, como linguagem, se encontra com a filosofia, como pensamento.
- O pensamento é o lugar de um possível encontro, talvez o único, onde a filosofia, como koan, se encontra com o indizível, como linguagem.
- A linguagem é o lugar de um possível encontro, talvez o único, onde o indizível, como pensamento, se encontra com o koan, como filosofia.
- A filosofia é o lugar de um possível encontro, talvez o único, onde o pensamento, como linguagem, se encontra com o koan, como indizível.
- O indizível é o lugar, talvez o único, onde o koan como pensamento, se encontra com a linguagem, como filosofia.
(E eu sou um ponto de interrogação onde a filosofia e o koan marcam um possível encontro, talvez o único, com o indizível; ou, sou o lugar possível, talvez o único, onde o pensamento, como indizível, se encontra comigo como koan: lugar do indizível, como filosofia); ou...

-----------------------------------------------------------------
-----------------------------------------------------------------

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

WITTGENSTEIN E O ENIGMA DA VIDA.

Ah, uma vida sem porquês!
Wittgenstein dizia que quando todos os problemas científicos forem resolvidos, os problemas da vida sequer terão sidos tocados.
E então, dizia ele, não haverá mais questões.

Sendo essa, precisamente,
a resposta.

WITTGENSTEIN E O CETICISMO.

O ceticismo não é irrefutável, mas obviamente falho de sentido por pretender por em dúvida o que não pode ser perguntado. E isso porque só pode haver dúvida onde pode haver uma pergunta, e uma pergunta só onde pode haver uma resposta, e esta só onde algo pode ser dito. In: Ludwig Wittgenstein, Tratado lógico-filosófico.
Leia uma, duas, três vezes; como todas as afirmações de Wittgenstein, esta também é enigmática, mas, por isso mesmo, também é maravilhosa!

WITTGENSTEIN E O ZEN.

Para Wittgenstein, os problemas da filosofia carecem de sentido. A filosofia, diz ele, nada mais é que o resultado do mal uso da linguagem. Essa proposição têm a ver com sua renúncia de que a filosofia possa resolver os problemas do mundo. Problemas insolúveis porque somos parte dele, o que significa que, para decifrá-los, teríamos que decifrar-nos, e então, teríamos que estar “fora do mundo”. Há algo além de ambos? Sim, mas não podemos saber o que: a lógica da linguagem só nos informa o como. Wittgenstein não nega a metafísica ou o místico; é a lógica da linguagem que não dá conta de seus significados: situam-se, portanto, no indizível. Por isso, diz ele, a filosofia deveria limitar-se a só dizer o que pode ser dito.
Bem, nesse caso, digo eu, se a linguagem tem limites, para o zen, o limite é a própria linguagem.
In: Ludwig Wittgenstein, Tratado lógico-filosófico.

WITTGENSTEIN E O PENSAMENTO.

- Eu gostaria de, com o meu trabalho, não poupar a outrem o esforço de pensar, mas antes,na medida do possível, incitá-lo a pensar por si. In: L. Wittgenstein, Investigações filosóficas.
---------------------------------------------------------------------
---------------------------------------------------------------------

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

SOBRE DOENÇAS E DOENTES.

- A vontade se manifesta como um corpo organizado. E a presença da doença significa que a vontade mesma está doente. A. Schopenhauer.

- A saúde é o silêncio dos órgãos, e a doença, a sua revolta. Bichat.

- A doença é um símbolo, uma representação de algo que se passa por dentro, um drama encenado pelo Isso. (...) A doença é em parte aquilo que o mundo fez a uma vítima mas, na maior parte, é aquilo que a vítima fez ao seu mundo e a si mesma. Groddeck.

- As paixões são cânceres para a razão prática pura, e não raro incuráveis. (...) As paixões são afetos desventurados que se encontram grávidos de muitos males. Kant.

- A doença revela desejos dos quais o paciente, provavelmente, não tinha consciência. Susan Sontag.

- Quem deseja, mas não pratica, engendra pestilência. Willian Blake.

- Estou mentalmente enfermo, a doença dos pulmões não passa de um transbordamento da minha doença mental. F. Kafka.

- Tranquilizar a imaginação do doente para que ao menos ele não tenha que sofrer como tem acontecido até agora, mais com o pensar sobre a sua doença do que com a doença em si – isso, a meu ver, seria alguma coisa! Seria muita coisa. Nietzsche.

SOBRE A MINHA PRÓPRIA DOENÇA (metástase no pulmão e no fígado).

Bem, tirando o fato de que tenho um cateter permanentemente implantado no peito (por onde, a cada duas semanas, sou espetado para que a químio entre no meu corpo); que perdi 12 quilos; que sofro de uma diarréia intermitente; que meu nariz funga o tempo todo; que meus olhos lacrimejam sem cessar; que meus pés e minhas mãos, além de “eletrificados” (graças a uma substância chamada platina), descascam; que perdi uns 60% de meu paladar; que tenho que fazer exame de sangue a cada duas semanas (já fiz todas as semanas); que, quando estou muito anêmico tomo quatro injeções na barriga (é mole?)... posso, enfim, dizer que estou bem:
Tomo meus vinhos e meus whisquinhos; de vez em quando degusto um “puro” cubano; sou fluminense desde pequenininho; afetos rolam por aqui e por ali; música e livros compartilham meu cotidiano; continuo trabalhando no meu livro sobre o zen (que não termina nunca); a massagem que a Gláucia faz nos meus pés é praticamente um orgasmo; e, até mesmo - isto é, quando os deuses sorriem -, da para dar umas namoradas com ela.
Que mais posso querer da vida?

TALES DE MILETO.

- Certa feita perguntaram ao filósofo porque ele não morria. Consta que ele respondeu: “porque não faz diferença”.
Tales, da cidade de Mileto, também é o autor da célebre frase: “Conhece-te a ti mesmo”. Também é dele a seguinte reflexão: “O cosmos é um”.
Era ateu, e por isso, afirmava que todas as coisas estão cheias de deuses.

HAI-KAI.

Casca oca:
A cigarra
Cantou-se toda.
Matsuo Bashô.
Quando li esse hai-kai imediatamente me veio à cabeça esse outro, que escrevi há já algum tempo:
Mariposa e flor.
Núpcias
Mariflor.

REFLEXÕES SEM DOR.

- O estado contemporâneo celebra a ideologia do confronto e da submissão a serviço da barbárie política, econômica e cultural. (Ah!, que saudades das minhas verdades dos tempos de marxista...).

- É preciso estar só para ser como se é. Mas o sábio (de si mesmo), só ou não, é aquele que sempre sabe ser como é.

- Na verdade, a religião não religa: desliga.

- O caminho mais curto para a lucidez é a perplexidade.

- Há sempre um abismo a espera dos que pensam e duvidam. O abismo produz perplexidade e serenidade espiritual. Estou perplexo e sereno.

----------------------------------------------------------------------
----------------------------------------------------------------------

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

REFLEXÕES OCIOSAS.

- Aposentei-me, que bom!, agora posso ser, finalmente, inútil.

- O verdadeiro peregrino caminha por dentro. Nada de gastar solas pelos caminhos de Santiago, perda de tempo meditar em mosteiros no Tibet. Turismo é bom e eu gosto, mas também sei que o que sei, sei por mim mesmo.

- Eu aprecio de degusto. E você?

PARADOXO DO SUICÍDIO.

- Quem se mata não tem a intenção de destruir a sua pessoa, mas de salvá-la. Paul Ludwig Landsberg.

O QUE É UM FILÓSOFO.

- O filósofo é um homem que, por amor à verdade, transforma a sua vida em uma série de experiências e se dedica, com o pensamento, à busca do sentido e da unidade de suas experiências. Paul L. Landsberg.

A FUNÇÃO DA FILOSOFIA.

A função da filosofia é tornar o simples - o real na sua imediaticidade -, complexo.
E o complexo - o pensamento na sua complexidade -, simples.
Então, a função da filosofia - nessa relação entre o simples e o complexo - é confundir para esclarecer, e esclarecer confundindo.
(Se é que você me entende).

SABEDORIAS PROFANAS.

- Les réserves imposées aux plaisirs, excitant le plaisir de vivre sans reserves. (Pichação anônima num muro de Paris em maio de 1968).

- A bola, as vezes, pune. Muricy Ramalho, referindo-se ao Neymar.

- Eu gostaria de estar fora disso tudo, mas o lado de fora não existe. Goethe.

- Há uma idade em que se ensina o que se sabe; mas vem em seguida outra, em que se ensina o que não se sabe. Roland Barthes.

- Cada opinião é também um esconderijo, cada palavra também uma máscara. Nietzsche.

------------------------------------------------------------------
------------------------------------------------------------------

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

NIETZSCHE.

O destino de Nietzsche foi pensar a existência no extremo do possível.
Filósofo, escritor e músico, jamais deixou de celebrar a vida.
Perambulou por cidades, hotéis, pousadas e pensões baratas.
Caminhou por prostitutas anônimas, por ruas e becos.
Caminhou por uma praça onde
- por dentro e por fora -
enlouqueceu definitivamente.
Caminhou por si próprio,
Como ninguém.
(“Como ninguém” significa que o filósofo caminhou como um ninguém, isto é, caminhou como os sábios).

REFLEXÕES SEM DOR.

- Nietzsche não é filósofo (a filosofia, de modo geral, lida com o real). Nietzsche é um poeta do texto (experimente ler o “Zaratustra”, por mais difícil que seja). Nietzsche é um sábio.

- As religiões cometem um equívoco fundamental: afirmam que o inferno é não só coletivo como está fora de cada um. Está dentro.

- O salmão - quando sobe o rio para encontrar a si mesmo como salmão - não desova apenas suas ovas. Desova também sua alma.

- Crença: respostas de fé, para o irrespondível de fato.

- Sabedoria: seja fiel aos sonhos que, ao longo da vida, você sonhou para si.

- A sabedoria leva à inadequação.

O FLANEUR.

Quanto mais sonha e mais caminha, mais si percorre.
Passeia pelo real para imaginá-lo, imaginando-se.
O exterior a si, como interior de si.

Caminhantes do Ser caminham
pra fora e pra dentro,
ao mesmo tempo.

A ILUMINAÇÃO.

- O reforço e a consciência de si, como ausência de si.
(Quem consegue, ilumina-si).
No mais, continuo atabalhoadamente lendo Wittgenstein. Afirmo, portanto, que Budismo e Zen não têm sentido, porque não pode haver pensamento sem linguagem. Mas, também afirmo que, pela via do indizível, Budismo e Zen começam onde a filosofia de Wittgenstein acaba. É que sei que a iluminação se situa além de qualquer possibilidade de ser expressa como linguagem.
(Trata-se de um saber insabível, e um dizer indizível).

ABSURDA LUCIDEz.

É resgate, pois:
Onde a religião formal afirma: “Tu deves.”
Ela responde: “Eu quero.”
Onde a religião formal diz: “acredite.”
Ela afirma: “duvide”.
Onde a religião formal afirma: “Busca-te em mim.”
Ela diz: “Busca-te em ti”.
E viva Nietzsche, que disse: “Qual é o grande dragão, ao qual o espírito não quer mais chamar senhor nem Deus? ‘Tu deves’ chama-se o grande dragão. Mas o espírito do leão diz: ‘Eu quero’ (...) Criar para si a liberdade de novas criações, isso a pujança do leão pode fazer. Conseguir essa liberdade e opor um sagrado ‘não’ também ao dever; para isso, meus irmãos, precisa-se do leão”. F. Nietzsche. In: Assim falou Zaratustra.
------------------------------------------------------------------------
------------------------------------------------------------------------

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Estava folheando um livro sobre a arte antiga da Índia,quando me deparei com essa imagem do Buda. Fiquei impressionado, por dois motivos: o primeiro diz respeito as feições dele. Repare: trata-se de um Buda com um rosto nitidamente europeu, um Buda grego, apolíneo. Já comentei, há muitos post atrás, sobre essa influência da cultura grega sobre a arte hindu e sobre a estatutária budista, em especial. Naquele post, disse o seguinte: “A partir do Caminho da Seda, passando pelo Império Persa, por gregos e romanos, se torna intensa, múltipla a influência cultural do Ocidente no Oriente. As primeiras imagens do Buda foram esculpidas a partir das invasões da Ásia pelas tropas gregas e macedônias de Alexandre em 327 a. C. Os citos e os partos, bem como os gregos da Bátria, que ocupam a partir do século 2 a. C a Bacia do Indo e do Alto Ganges, também contribuíram com representações pictóricas de Sidarta Gautama. É por isso que as primeiras esculturas do Buda têm o perfil do deus grego Apolo, e é como tal - um Buda apolíneo - que essa arte greco-budista se espalha por toda a Índia, China e Japão”.
Bem, a segunda coisa que chamou minha atenção nessa imagem foi o aspecto geral do Buda, esquelético, esquálido, certamente uma referência religiosa as praticas de ascetismo propostas pelas religiões formais. Nelas, ele é um meio e um método de alcançar, de se dirigir e se comunicar com o divino. A comunicação pela dor, pelo flagelo, pelo sofrimento. Pessoalmente, acho incrível essa idéia de que o prazer - o encontro com o transcendente - possa ser resultado do sofrimento e da dor. Pra mim, não posso nem acreditar nem aceitar essa premissa perversa.

Por outro lado, andei pensando e matutando, andei, enfim, curtindo a idéia de que é um equívoco, um erro de referência supor que as imagens corriqueiras do Buda meditando correspondem realmente ao Buda meditando. Quer dizer, a idéia é que, ora, o Buda meditando ainda não era o Buda!, do contrario, não seria mais preciso meditar, uma vez que ele já teria chegado à iluminação.
Logo, o que vemos nessas imagens não é o Buda mas, apenas, Sidarta Gautama meditando para se tornar o (ou um) Buda.
Certo?

----------------------------------------------------------------
----------------------------------------------------------------