domingo, 30 de maio de 2010

Oriente/Ocidente

O que é santidade no Oriente,
é loucura no Ocidente.

E aí,
vai de Buda,
ou vai de Freud?

Cardume

Peixes no mar.
Ruptura/Continuidade.
Isolados/Coletivamente.
E nenhuma hesitação!

Em cada um, percorrendo-se,
peixes em todos.
A contínua ordem descontínua de peixes no mar.
Uma só consciência que atualiza cada peixe como peixe.
- como são e como fazem, para que façam e sejam como são -
Um só peixe como peixes em cada qual.
Peixe/Peixes.
Separadamente, em todos coletivamente.

Onde mora a consciência
que não existe
separada-mente?

O rio sagrado

O Sagrado Ganges.
Sujo, infecto.
Em suas águas imundas
- cloaca da moderna cidade oriental -
bóiam cadáveres insepultos.

O Sagrado Ganges.
Rio sábio em cujas águas percorre a memória
de tempos imemoriais do venerável país do Oriente.
Imaculadas águas onde se banham
o mais insignificante ser
o mais insígne brâmane.
- e o Buda que habita em todos -

(Heráclito estava errado:
pode-se, sim, entrar duas vezes
no mesmo rio).

Filosofia II

A função da filosofia
é tornar o simples
- o real na sua imediaticidade -
complexo.
E o complexo
- o pensamento na sua perplexidade -
simples.

Entre o simples e o perplexo,
a função da filosofia é confundir
para esclarecer
e esclarecer
confundindo.

TV, amor e pizza*

O amor é como a pizza.
- ansiedade, expectativa, saciedade -
(Depois, senta para ver televisão).

*Poema inspirado pelo filme "Apenas o fim", de Mateus Souza.

Deus III

As virgens santas e tristes do Ocidente.
As virgens Ouris do ceú muçulmano.
As dez mil virgens do firmamento hindu.

Deus,
se existe,
deve ser uma virgem e ardorosa fêmea.

Deus

É estranho e pretensioso querer conhecer
o que não pode ser conhecido.
Respostas de fé,
para o irrespondível de fato.

Filosofia de Vida II

No mais, viver com graça
- com estilo, diria Bukoswki -
Anônimo e disponível
(Disponível: sem intenção).

Ataraxia,
(Estranha e bela palava que os gregos inventaram).
Estado interior, sem perturbações.
Curado da vida.
da alma.
de si.

Da vida: através o zen.
Da alma: através da filosofia.
De si: através do humor.





Filosofia de Vida

A filosofia não tem caminhos.
Só os percorrem os que não se salvarão.
Os que não nos salvaremos.

Per Omnia Seculum Seculorum

Santa Maria Mater Dei
Orare Pro Nobis Pecatoribus
disse, de costas, o padre
nas infâncias de minhas crenças.
(E aprendi então que o pecado mora ao lado,
e que Deus está sempre por aí).

Falei palavrão, seu padre.
- Três Ave-Marias.
Olhei pros peitinhos dela, seu padre.
- Quatro Pai Nossos.
e toquei três de uma vez, seu padre.
-
Modere suas inpertinências, garoto.
(Mas o pecado mora ao lado,
e Deus está sempre por aí).

Futebol, mulher pelada na matiné do Cineac-Trianon,
e a arte de pular do bonde andando.
(Mas o pecado mora ao lado,
e Deus está sempre por aí).

Ponches, cuba-libres, smokings de ocasião.
Fox-trotes, bate-coxas envergonhados.
Topetes e gomalinas,
porres derramado e fumaças pelo salão.
(Mas o pecado mora ao lado,
e Deus está sempre por aí).

Cogumelos em bosta de zebu
[E vi cores de não sei como, e sons de não sei onde.
Lucys em céus de diamante
[E vi seres alados nas bordas de Centauro, naves em chamas no cinturão de Órion.
Guimbas do barato em folhas de papél-jornal.
[E bati palmas para pores-de-sol que se afogavam nas águas de Iemanjá.
(Mas o pecado mora ao lado,
e Deus está sempre por aí).

Trem da morte, Machu-Pichu.
Lhamas babando soltas nos céus dos altiplanos.
Juazeiro, Sobradinho, Sento-Sé,
e duas meninas ancoradas
no cais do Velho Chico.
(Mas o pecado mora ao lado,
e Deus está sempre por aí).

Budas anônimos meditando
nos úmidos bosques de Varanasi.
Mestres profanos, gurus de ocasião
[Nunca vá atrás de um. Verdadeiros ou falsos, são eles que te acham.
Camelos esquálidos, elefantes conformados.
Sinfonia de macacos nas bordas do Ganges.
Flores de lotus murchas pelo chão.
[E então aprendi que o zen fala no silêncio da linguagem.
(Mas o pecado mora ao lado,
e Deus esá sempre por aí).

A vida não dá conta do vivível.
Ninguém é dono, e ninguém está sozinho em sua própria casa.
Tudo é escolha e destino.
[Ateu, por exemplo, só para me procurar entre próprios e doloridos ais.

(Mas, no fundo,
nos confins de minha inocente infância
- palavrões, punhetas, peitinhos -
sempre soube que o pecado mora ao lado
e que o bom Deus,
vigilante,
está sempre por aí).












quinta-feira, 27 de maio de 2010

Hai-Kais

Hai-Kai é um pensamento que se debruça sobre o real para significá-lo "tal qual é"; lucidez instantânea provocada pela atenção no que, simplesmente, é. Trata-se de um jogo de palavras cuja função é articulá-las dentro do verso de modo a que remetam a algo - uma intuição, uma emoção, uma sensação - dentro daquele que o produz, dentro daquele que o lê. Um máximo de expressão, num mínimo de palavras. O objetivo do Hai-Kai é semelhante ao do zen. Ambos pretendem - através da quebra súbita da razão -, proporcionar uma experiência fora dela. No Japão, o Hai-Kai também é um exercício de paciência e delicadeza, onde os adeptos exercitam a arte da caligrafia.

BACHÔ REVISITADO
Sapo no charco.
Água macia
PLOFT*
(Versão pessoal de um poema de Matsuó Bachô (1644/1694), considerado o mais bem acabado exemplo de Hai-Kai).

Na tradução de Paulo Leminski:
Velha lagoa.
O sapo salta.
O som de água.

Na tradução de Octavio Paz:
Sobre o tanque morto
Um ruído de rã
Submergindo.

LEMINSKI, Paulo - "Matsuó Baschô". Ed. Brasiliense, SP, 1983.
SAVARY, Olga (Tradução) - "O livro dos Hai-Kais". Ed. Massao Ono, SP, 1980.

*Em tempo: PLOFT é a impossibilidade de nomear. É o vazio dentro do qual a rã mergulha. É o universo, isto é, é o mergulho da rã.

HAI-KAIS
1
Um monge medita
na solidão de si
lá fora a vida flore.

2
Jardim florido
Rosas, jasmins, margaridas
Abelhas cafungando.

3
Luzes da primavera
Dois cachorros de encarando
Um é preto, o outro, branco.

4
Bifes na frigideira
Quadros tortos pendurados
Solos de saxofone.

5
Peixe no aquário
Diferença
Mútua observação.

6
Buda sentado
Tronco de árvore
Idéias entre si.

7
Cachorros e gatos preguiçosos
Foçinhos e bigodes
Eu de bermuda e pé no chão.

8
Um biguá preto na lagoa
Um casal apaixonado
Uma casquinha de sorvete.

9
Gata esparramada pelo chão
Mil tetas preparadas
Mil miudinhos miaus.

10
Vermelha joaninha
Verde grilo
Ervas daninhas.

11
Mariposa e flor
Núpcias
Mariflor.

12
Só sentado
Borbulhas pelo ar
Somdechá.

13
A borboleta é Chuang Tzu
Sonhando
ser filósofo.

14
Duas garças na lagoa
Dois peixinhos avoando
Eu atento àtoa.

15
Águas de verão
Natureza encharcada
Pingos nim mim e nim você.

16
Águas de verão
Eu e você
Pendurados na janela.

17
Movimentos do ar
Sons no bambuzal
E nenhum pensamento.

18
Árvore de outono
Amarelo nas folhas
Umas caem, outras não

terça-feira, 25 de maio de 2010

O começo e o fim

Quando começo, também termino.
Sucessivamente, concomitantemente, eternamente.
Maravilhosa - mente.

Estranhesa

Quando escrevo,
esqueço de mim.
Quando me esqueço,
mas sei de mim.

Enigmas

E que Deus virá, um dia, nos confortar
de nossas humanas fragilidades?
Qual provará do amargo
que nos revelara quem somos?

(Seis palmos de terra é a medida certa de cada um.
Um gato miando e balançando a cauda. Loucura...
é o cotidiano dos simples).

E o tempo, que marca compassos díspares,
conforme se é vivo,
conforme se é morto?

E então,
quem derrubará o cálice santo numa cerimônia pagã,
e quem dirá, como o verdadeiroDeus:
"Eu sou o que sou"?

Que filósofo, hoje
- eu, você? -
se debruçará sobre o mesmo rio
que Heráclito disse
que não se pode atravessar duas vezes?

E esse Deus,
que em sua infinita ausência,
presentifica a todos?

(Um dia, só,
entre cinzas de meu corpo inerte,
saberei, afinal,
com retidão,
quem fui e quem sou agora).

Cogumelos em Visconde de Mauá

"O fim e o começo moram no mesmo endereço",
disse Flávio
catando cogumelos que cresciam,
entre bostas,
nos verdes e íngremes pastos de Visconde de Mauá.

Absurda lucidez VII

Quimioterapia:
Troninho, Hipoglós, Imosec.
... e um que de exaustão.

Perrengues e micos do dia-a-dia

- No banho, toca o telefone; molhado, você atende: gerúndios em paulistês.

Três mulheres imaginárias que me faziam sair na mão.

Claudia Cardinale, Anna Karina, Ornella Muti.
Em tempo: Fiz, ao longo do tempo, amizade diversas com alguns gays. Estive mesmo a ponto de sair na mão com alguns. (Tenho certeza que, fôssemos menos culturais e mais naturais, seríamos todos bisexuais, com orientação preferencial para um ou outro lado: sexo é bom, independente do sexo). Acontece que, mais cultural que natural, nunca consegui botar em prática essa teoria. Por mais que imaginasse, nunca consequi sentir tesão por macho nenhum. Então, envelheci, e continuo virgem de homem. É, nessa vida fui, irremediavelmente, hétero mas, quem sabe, numa próxima...

Quatro livros fáceis para te introduzir no zen.

- "A arte cavalheiresca do arqueiro zen". Eugen Herriguel. O arqueiro não erra a direção da flexa porque sabe que o alvo está, inevitavelmente, dentro de si mesmo.

- "Psicologia e Religião Oriental". C. G.Jung. Para melhor penetrar nos misteriosos labirintos do inconsciente, Jung mergulhou fundo nas tradições, mitos e filosofias orientais.

- "Introdução ao zen-budismo". D. T. Suzuki. Pequeno-grande livro introdutório ao zen. Suzuki foi um estudioso e um erudito da doutrina, responsável por sua introdução no Ocidente.

- "A via de Chuang Tzu". Thomas Merton. Merton foi um monge cistercience da Abadia de Getsemani, perdida entre as montanhas nevadas do Maine. Era um meditativo que morava numa cabana isolada, só, entre livros e pensamentos (só?). Para melhor entender e dialogar com seu próprio Deus cristão, Merton estudou profundamente o zen, tendo escrito alguns bons livros sobre ele. Esse é um deles. Morreu, iluminado, num quarto de hotel na Ásia, eletrocutado por um fio descapado de uma luminária.

Manual do assaltante profissional de geladeira.

1) - De preferência às madrugadas insones. (Nas com sono, sonhe).
2)- Nunca escolha o cadápio, mas prefira bifes-de-panela, coxinhas - não importa de quem -, empadões. (De que? tanto faz; a uma da matina todo paladar é insípido e todo cardápio, insosso).
3) - Engula frio. (Se esquentar, perde a graça).
4) - Se tiver bichos, divida. (Compatilhe sua insônia com a deles).
5) - Feijão com arroz ou pão com manteiga, jamais. (Evite complexidades. Às duas da matina teus olhos não foram feitos para escolher e adicionar).
6) - Deixe cair bocados pelo chão. (faz parte).
7) - Abocanhe outro, e outro, e assim sucessivamente. (De preferência, com culpa: abocanhe mais um).
8) - Prefira sempre quantidade a qualidade. (Ver item 2).
9) - Perambule pela casa. (No pipi, faça fora do vaso. Às três da matina a mira é sempre falha).
10) - Peladão. (Coçe o saco; o seu, é claro!).
11) - Sexo jamais. Nem com a própria, que dorme tranquila, nem com o do próprio, que deve continuar adormecido. (Às três e meia da madrugada só geladeiras estão disponíveis, só elas devem ser deliciosamente penetradas).
12) - Pela janela, perceba as luzinhas acesas de outros infelizes insones como você. (Regozije-se! Eles não têm uma geladeira como a sua, nem são o profissional que você é).
13) - Às vezes, mantenha as luzes acesas: ruídos de fora.
Às vezes, matenha apagadas. (Não importa. Ambos os ruídos te angustiam e te tranformam).
14) - Finalmente, antes que sua mulher acorde, cate os cacos pelo chão.
(Ah, sim, com as olheiras em dia, não se esqueça de catar também os próprios...).

Versos, frases, pensamentos que gostaria de ter tido/dito/escrito - 6

- Vai bicho desafinar o coro dos contentes. Jards Macalé.
- Quanto mais você mistura, mais divertida fica a vida. Luciano Huck.
- É quando a fé acaba que você começa a ficar engraçada. Marisa Orth.
- Depois dos '50, todo salto é mortal. Walter Carvalho.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Um e muitos

O mundo é enigma.
(Ninguém entra duas vêzes no mesmo rio,
disse Heráclito).
É pergunta sem resposta.
Obscuro Narciso que não sabe de si.
Édipo e a esfinge
(Decifra-me e te devoro).
O mundo é mistério e indagação.

Por exemplo:
cada um é um,
e muitos,
ao mesmo tempo.

Português barato

Sonho e pesadelo.
A consciência de existir.
Ser ou não ser, disse o príncipe da Dinamarca.
(A vida, no fio da navalha).

Agulha no palheiro.
Sete, os pecados capitais,
doze, os trabalhos de Hércules.
E o camelo, no fim, é que entra no paraíso.

(Todo poema é enigma).

E a vida,
a que será que se destina?
- Pergunta sem resposta -
Pudera! o poeta
filosofou em português...

A Viúva Lacerda

E essa cidade que é a minha,
que não é uma, mas várias,
nas bordas do universo.

E essa rua sólida,
de palalelepídedos nostálgicos.
Um casario sombrio
ilumina meus passos íngremes.

E essa colina longínqua
de plácidos e difusos verdes
- macacos travessos, tucanos coloridos -
Minha mágica janela
nave interglática dentro de mim.

(Por dento e por fora,
viajei mundos,
antes de aterrisar por aqui).

Resignação

A dor, o sofrimento, as misérias do mundo,
Porque o mal existe?

Porque as inconstâncias o ser,
a ilusão do presente,
o apego, o desespero, a solidão?

Porque as voltas que o mundo dá?
e as curvas do destino?

Porque o sol, vermelho, lá no céu?
E as estelas, bilhantes,
que não caem do firmamento?

Porque a felicidade nunca cabe,
toda,
dentro de cada um?

Porque Deus se esconde
e, afinal, não responde
aos que dele necessitam,
e nele acreditam?

(E, então, mugiu com mansidão,
paciência e resignação.
E, então, cheirou com irracional
e difuso prazer
o capim verde que brotava entre o esterco
- fresco e cheiroso -
espalhado aqui e ali).

A dupla dobra do mundo

Um elefante acumulando memórias de suas vidas passadas.
Uma dançarinha nos bosques de Sakyamuni.
Um filósofo perdido dentro de si mesmo.

Uma velha dama sem sentido, sem rumo e sem prumo.
Um tocador de alaúde dormindo à beira da velha muralha.
Uma cobra - como as duplas dobras do mundo -
mordendo eternamente
seu próprio rabo.

Labirintos do tempo.
Sonhos: todos em cada um,
e muitos,
ao longo de si mesmos.

(Borges e eu,
entre idéias
numa biblioteca imaginária).

Silêncio

Com a religião
o profano filósofo sábio troca fé
por conhecimento.

Com a filosofia
troca conhecimento
por sabedoria.

A rigor, o oriental não tem filosofia,
mas sabedoria.
É que a filosofia fala,
sobre o que a sabedoria cala.

Do que na filosofia é discurso,
na sabedoria é silêncio.

O querer de Deus

Aquiles e a tartatuga
(Zenão de Eléia fumando um narguilê).
Não importa quem vença.

A eternidade é larga e vasta.

Enigmática como Deus
sonhando ser borboleta.

O enigma de Deus

"O nome que pode ser revelado
não é o nome absoluto.
O Tao, sendo eterno, carece de nome",
disseram os taoístas
a 4.ooo anos atrás.

Do alto da montanha,
disse Deus pra Moisés:
"Eu sou aquele que sou".

Caraca!
será Deus, por acaso,
um poeta taoísta?

sexta-feira, 14 de maio de 2010

BALANÇO DE VIDA III

Par jeunesse
j'ai perdu ma tendresse
et ma délicatesse.

Em compensação
botei meus ya's ya's out.

SANIDADE, SABEDORIA E LOUCURA

I
Profano como escolha.
Intuição como método.
Sabedoria como fim.

II
O filósofo intuitivo e profanamnte sábio
trava uma luta insana em torno de sua sanidade.
Sim, quanta lucidez suporta
um caminhante solitario de si mesmo?

III
O que tenho de mais profundo
é o que me é mais estranho.
Onde, verdadeiramente, sou?
(Sou, onde não me confesso).

IV
É preciso ser louco,
pra ser só um.

AUTO-AJUDA

Ser é dor.
Dor de ser produzida pela ilusão de ser
dizem os budistas.

Mas ser também é delícia
disse o mano Caetano.

(Em tudo e em todos
há sempre um prazer oculto
que pingam, distraídos, por aí).

Sabedoria é desfrutar a delícia de ser do poeta
embutida na dor de ser dos budistas
digo eu.

FILOSOFIA

Platão não gostava dos poetas.
Kant, neurótica e metodicamente, caminhava até a torre do relógio na praça de Kronisberg.

Heidegger flertou com o nazismo.
Althusser perdeu sua amada no travesseiro do casal.

Deleuse despencou de bem alto.
Nietzsche, com dores de cabeça,
nunca foi o Super-Homem que, um dia, imaginou.

Freud - que não era filósofo mas que, a rigor, era -
foi-se, com um charuto na boca.
Foucault, tragicamente, morreu pelo prazer.

Quanto a mim,
bem,
permaneço quieto no meu canto.
Vejo TV, leio meus livros, curto um som.

E vez por outra
(Quando os deuses estão de bom humor e garantem a performance),
namoro com esmero,
minha companheira.

ALMA

No limite de cada experiência
- abismo e vertigem -
nada é fixo ou permanente.
nada é certo ou previsível.

Sem dúvida, desespero e solidão
a alma não se move.

ATEISMO II

Ser ateu é direito pessoal.
Questão de cidadania.
Um caminho possível,
alternativo e solitáio.

(Escolhas: façam as suas.
Mas a tolerância
- se o seu Deus é único e universal -
não faz parte da prática religiosa).

Prêmio algum a quem crê.
Castigo nenhum a quem não crê.

PRETEXTO

Eu só queria o pretexto certo
pra fazer um poema grande
como Camões ou Cervantes.

Mas qual!
O que eu quero mesmo é o pretexto certo
pra saber - oh céus -
se a borboleta é Deus.

(E em que espelho
- como disse Clarisse -
se esconde a minha face).

ÓCIO

Ócio santo e eficaz.
Primeiro estágio da contemplação.
Ante-sala da sabedoria.

CAMINHO

I
Dentro, quando se caminha pra fora.
fora, quando dentro.

II
Inútil perseguir gurus na Índia.
Perda de tempo visitar mosteiros em Katmandu.
Bobagem gastar solas de pé
em Santiago de Compostela.

III
O que se sabe
se sabe
por si mesmo.

UM DIA

Um dia, fui.
Pra Paris querendo ser Goddard,
Bergman, Bertolucci.
Não deu certo:
Sexo, drogas, rock'n roll.

Um dia, voltei.
Não deu certo:
virei poeta.

ABSURDA LUCIDEZ VI

Para o ateu
a alma tem nome:
EU

ABSURDA LUCIDEZ V

Deus não ri,
logo,
não existe!

ABSURDA LUCIDEZ IV

Todos serão chamados,
e todos, escolhidos.

(O que discrimina,
perde poder).

ALUCINAÇÃO

Cigarros heterodoxos.
Doce aroma. Transgressão.

(Corpos nus na madrugada).

Delírio já é ser dois
indamais

alucinando ser só um.

BOA VIDA

Yeah baby,
Na vitrola, o ruído dos '60.
Na goela, o velho escocês
e a fumaça de um Habana n. 5.

(Sobretudo você, baby,
me olhando de banda)

No mais,
tomando conta da pressão e evitanto o açucar,

a vida com vocês
é bela baby.

SOU COMO SOU II

Sou filósofo pra mim mesmo.
Amador e diletante.
Não tenho compromisso com o rigor,
mas com o prazer.

Sei que todo conhecimento é provisório,
e todo saber, intransferível.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Absurda lucidez I

Sereseresserem.

Absurda lucidez II

Zen não é religião,
porque não é resposta.

Absurda lucidez III

No budismo e no zen
um mais um é igual a um.

Cada um é mais um,
que o um que julga ser.

In Memorian

Fui a uma missa.
Senta, ajoelha, levanta.
Levanta, ajoelha, senta.

Tudo bem!
Rituais amenizam,
organizam emoções,
apaziguam a alma.

Depois,
tomei umas e outras,
no boteco da esquina.

Balanço de Vida.

Não fui professor, mestre ou doutor.
Nem chefe, diretor, presidente.

Nunca incluí, nem excluí.

Nunca entrei num lugar que soubessem,
de antemão,
quem sou.

(Como o velho Groucho,
nunca entrei pra clubes
que me quisessem como sócio).

Não frequentei patotas,
não participei de rodinhas,
nem disse-me-disses por aí.

Não pontifiquei sobre o que sei
ou não sei.

(Em tempo:
Não fui perfeito.
Me embaralhei, me atrapalhei, me enganei).

Na maior parte do tempo
vivi pelo avesso.
Entrei pela contramão.

Não me arrependo do que fui e fiz:
fui como sei.
Fiz como sou.

(Fui e fiz como pude).

Inventário

Já tive bicicleta de 18 marchas,
um Gurgel sem capota,
e uma Harley-Davidson fajuta de 25 ciclindradas.

Ja tive aquela Brasília da hora,
e um Corcel branco que aranhava marcha
entre a segunda e a terceira.

Já tive cachorro, preá, passarinho,
uma tartaruga que botava ovos falidos,
e comia terra com cocô.

Já colecionei caixinhas de fósforos, discos e livros.

Já viajei pra lá e pra cá.
(Mas na maior parte do tempo, dentro).

Já tive alhos e bugalhos.

Mas o que mais gostei
foi um aquário reluzente
cheio de peixinhos dourados.

Devaneios

- Grande canastrão do cinema americano:
Harrison Ford.
- Grande paixão da adolescência:
Natalie Wood.
- Grande time de futebol:
Fluminense.
- Grande companheira pela vida afora:
A minha.
- Grande preocupação pra se curtir:
Dois filhos.

(E um cara perdidão por aí:
Eu).

Quatro filmes sobre o grande poeta Charles Bukoswki

- Barfly. Pode baixar que está na rede.
- Factotum. Esse também está la.
- Crônica de um amor louco. Esse, com sorte, você ainda encontra nos video-clubes, mas também já está na rede. (É o que eu mais gosto).
- Born into this. Documentário. É um pouco arrastadão.Também está na rede.

Perrengues e micos do dia-a-dia

- Ouvir CDs pela metade.
- Salgado (comida) sem doce (sobremesa).
- Seus óculos teimando em se perder pela casa.
- Lavar pratos, panelas e talheres (ouvindo jazz ameniza).
- Sua mulher dirigindo o carro - no banco do carona.
- "Lavar dentes todo dia, que agonia"...
-
Encharcado, correr pra comprar guarda-chuva de cinco merréis no camelô ( não ter cinco merréis).
-Evangélicos nas cercanias de teus ouvidos.
- Caminhando por Buenos Aires, achando que está em Paris.
- Caminhando em Paris, sonhando comer um sanduiche de miga em Buenos-Aires.

Versos, frases, pensamentos que gostaria de ter tido/dito/escrito - 5

- Respeite deuses e budas, mas não conte com eles. Miyamoto Musashi.
- Please let me introduce myself/I'm a man of sorrow and pain. M. Jagger, K. Richard.
- Poeta: filósofo encharcado de whisky vagabundo. Pedro Teixeira.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Sou como sou

Sou frequentador profissional
de livrarias, sebos e que tais.
Sou, também, um voyer de primeira.

Metade do dia, sou tarado.
Na outra, um leitor voraz.
Metade, sou delírio
na outra, devaneio.

É que olho pra elas,
pra saber quem sou.
E leio,
pra me devolver a mim mesmo.

(Também frequento músicas e filmes,
e geladeira pelas madrugadas)

Ateísmo

Sim,
o ateu sabe que possui uma crença,
mas ele sabe que ela está de cabeça pra baixo.

Sim,
exilado no pensamento,
o ateu sabe que não tem raiz nem porto.
Exilado na alma,
sabe o que é uma dor que não cura.

(Mas o ateu sabe também
que é desse lugar de duplo exílio,
que ele dá conta de ser como é)

Sim,
o ateu sabe que é desse lugar remoto,
ermo, árido e sem dono,
que viceja o pensamento,
e floresce a alma.

Vida III

Baco servido à mesa.
Dionísio controlando o corpo.
Ah!, os deuses da Grécia clássica...
e um filósofo sessentão.

TV

Biguás em formação militar.
Tucanos berrando de galho em galho.
Beija-flores e cambachirras
bebendo, bebendo, bebendo.

Macacos que pulam,
encaram e encantam.
Micos banais e cotidianos.

(E eu voando, voando, voando)

É que minha janela,
bicho,
é uma TV em 3D

Prestação de Contas

Um dia,
fui pra Europa:
Lavei pratos pros gringos
e comi suas meninas.

Um dia,
voltei:
Fiz filho, plantei árvore, escrevi livro.

Um dia,
distraído, envelheci.

Conteúdos de si
- agora eu sei -
possibilitam e amenizam
tornam suportável a velhice.

Vasto e vago

Meu modo-se-ser é pairar.
Nunca chegar muito perto,
pois há sempre um fósforo pelas bordas
do real.

"Uma nuvem de calças", disse uma garota
que não pegou os meus contornos.
Claro!
É que sou vasto,
e vago por aí.

Não-eu

Bebi tanto que perdi a retidão do ser.
Pra lá e pra cá,
achei que tava no rumo certo.
Mas não.
uma cobra teria feito melhor.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Dez mil deuses I

Dez mil deuses no céu,
dizem os taoistas.
E nenhum deles é capaz de me dizer quem sou.
Dez mil modos de ser,
dizem os que se perdem de si.
Dez mil deuses no céu,
dez mil perdidos por aí.
E eu,
sem deus nenhum,
só,
dentro de mim.

Dez mil deuses II

Um bêbado engarrafado.
Um cachorro filosofando pra lua.
Buzinas estressadas.
- Eu na multidão -
E dez mil deuses no céu.
(Duas ou três coisas que quero te dizer,
mas você passa,
ligeira,
sem saber de mim).

Dez mil deuses III

Montanhas são montanhas.
Rios são rios.
Eu, perplexo!
As coisas são como são.
(E nos céus,
os dez mil deuses taoístas).

Dez mil deuses IV

Entre os dez mil deuses do céu,
não há nenhum que me aponte,
me designe, me nomeie.
(Já diziam os gregos:
os deuses devem se preocupar
exclusivamente com si mesmos).
Não é de estranhar
que euzinho,
perplexo e solitário,
perambule por aí.

Dez mil deuses V

Pingos de chuva na janela.
Uma cachorrinha aninhada no meu colo.
(e dez mil deuses no céu).
Como é bela e estranha,
a natureza das coisas.
(Dificíl, é ser como se é).

Dez mil deuses VI

Deus mil deuses no céu,
dez mil coisas pra fazer.
E eu peladão,
com um copo e um charuto na mão.

Dez mil deuses VII

Deus mil deuses no céu,
Dez mil bundas solitárias.
E eu,
assanhado, delirando, sonhando,
com cada uma delas.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Viagem com o Santo Daime

Esse é o relato de uma viagem, no começo da década de ’80, que fiz com uma amiga à Visconde de Mauá para tomarmos o Daime. Transcrevi o texto exatamente como o redigi, dois ou três dias após o fato. [leia mais]

domingo, 2 de maio de 2010

Preferência

O que gosto nas mulheres
é o cheiro.
E uma certa barriguinha,
proeminente.

Colheita

O poeta também poeta má poesia.
Como essa.
Mas ele sabe que nada pode.
Poesias não nascem:
Afloram!

Questão

Nada como um whisky de primeira,
pra encharcar um filósofo de segunda.

(E você que passa
sem me ver sangrando
perplexo de existir).

Não há questão
- nem pergunta, nem resposta -
Que o vira-lata da esquina não responda
balançando o próprio rabo.

Lucidez

Sim,
desassossego,
e essa vaga inquietude.

Sim,
esse jeito avesso,
e vago de ser.

Sim,
é preciso aceitar o incerto
como parte de si mesmo.

E é preciso, sim,
Essa incômoda lucidez,
nessa serena imperfeição.

Vida II

A vida pingando.
E eu me esvaindo,
de ser.

Vida I

Tive uma doença sem-vergonha.
Mas continuo fofo,
dizem,
perambulando por aí.

É que levo a vida
"como Deus é servido".
Curto como sei,
e não reclamo.

Arthur Rimbaud

Marginal por natureza.
Transgressor por opção.
Solitário por destino.

Sua vida: enigma!

"Por ora sou maldito",
disse de si mesmo.

E então,
viveu à margem
Sem regras.

O poeta caminhou como pode,
e como soube.
Caminhante ocioso por si mesmo,
superou valores
que limitam a individualidade.
Não caminhou pra "fugir de seu passado".
Não caminhou pra encontar coisa alguma.

(Sempre soube quem era,
e que era ele,
aquele outro
que um dia disse ser)

O poeta caminhou,
e foi o que tinha que fazer.

O comerciante comerciou,
e fez o que tinha que ser.

Foi e fez.
Fez como foi.
Escolhas!

"Iluminações":
Só caminhando/só fazendo/só sendo.

Poeta e comerciante,
- Arthur Rimbaud -
despertaram sem perceber
(mas com intensidade)
o tao que cada um carrega
dentro de si.