domingo, 25 de julho de 2010

Uma tarde na Quimioterapia

Sala cheia, três jovens mulheres idosas... e eu.
Finjo que durmo, em parte por timidez intrínseca, fobia social e uma irrecusável determinação de não participar de "abobrinhas" recheadas de senso-comum. Mas, como voyer profissional, permaneço atento e não perco uma vírgula das idéias comuns e corriqueiras que circulam pelas poltronas da sala.
Bem, a conversa gira em tono de tudo e todos: dos filhos e netos que tiveram e criaram; das viagens que fizeram e das que querem fazer no futuro (para quem tem câncer, o futuro é ali, logo na esquina); dos tratamentos, das mazelas de cada uma e das estratégias diante da própria dor; falam de religião, do que acreditam ou não acreditam, falam de uma mesma fé - misteriosa pra mim - que alimenta, socorre e ampara a todas.
Falm de bichos (uma lamenta a morte de seu cachorro, morto aos dezoito anos); falam de modas, de supermercados, de comidas e receitas diversas, que trocam entre si; e falam, então, dos livros que leram ou que ainda querem ler. E eis senão quando, de repente, assim como quem não quer, a que estava a meu lado - Fátima - solta a seguinte pérola de sabedoria existencial: "Livros são cachorros de papel".
Caramba! Não acreditei no que tinha ouvido, e tive que repetir pra mim mesmo: "Livros são cachorros de papel".
Como pode uma mulher dessas, enroscada entre fios de medicamentos diversos que tombam do teto, formular um pensamento com tanta beleza e precisão, tão profundas e ricas implicações filosóficas? E continuar, em seguida, abobrando como se nada houvesse dito que merecesse ser lembrado? (a função das "abobrinhas" é meramente comunicativa, sem embutir qualquer tipo de verdade necesária).
Silêncio em mim, perplexidade, euforia por estar ali naquele momento mágico em que uma verdade emerge por entre os escombros de opiniões merante circulantes. Imediatamente soube que essa frase não podia morrer ali, por entre as demais"abobrinhas" que pairavam, leves e soltas, sobre a sala.
Valham-me anos e anos de leituras filosóficas, valham-me Nietzsche eWittgenstein, que gostavam de formular seus pensamentos em forma de aforismos, assim como esse que acabava de ouvir dessa sábia e anônima mulher sentada ao meu lado.
Valham-me, sobretudo, os livros de minha biblioteca que, agora sei - graças e essa improvável filósofa do cotidiano - nada mais são que fiéis cachorros, desses que nos lambem, nos afagam e nos cobrem de afetos e de mudas sabedorias.
Na saída, agradeci a ela por ter iluminado minha tarde.
Mas acho que ela não entendeu bem porque.

Para ver, ouvir e curtir no You Tube

- Surpreenda-se ouvindo a Sandy cantar "Hallelujah" de Leonard Cohen: "Nerina Pallot, Sandy Leah, Junior&Lucas Lima. "Hallelujah".
- Surpreenda-se ouvindo a Vanessa Camargo estraçalhar "Piece of my heart" da Janis Joplin: "Piece of my heart. Wanessa Camargo (circo do Edgard)".
- Sheryl Crow - "Hallelujah"
- Leonard Cohen - "A thousand kisses deep"

O Zen e a Filosofia

O zen é filosofia porque:
- Resulta de uma fissura e de um estranhamento com o real.
- Propõe uma aventura no pensamento.
(O que pode ser pensado, zen e filosofia pensam).
- Produz e tolera penamentos ambíguos, conflitantes e contraditórios.
(Dúvida, abismo, solidão).

A função de ambos é prolongar o campo do possível.
Filosofia e zen são para os que acham que o real é pouco.
(Um cachorro, por exemplo, quando uiva para a lua, também filosofa).

O Filósofo e o Mestre Zen II

A filosofia tem dúvidas.
Já o zen, bem, o zen também.
O mestre zen e o filósofo sabem do charlatão que são para si próprios,
porque sabem que nada do que dizem é verdadeiro.

O Filósofo e o Mestre Zen

O filósofo e o mestre zen sabem que verdade alguma é definitiva.
Sabem que ela é provisória,
sempre algo a ser dito sobre ela mesma.
Sabem que ela não se encontra em parte alguma.
- não cabe, não se aloja, não pertence -
Sabem que cada época tem as suas,
e que cada um produz as próprias.
(Provisórias, é claro!).

Caminhos

Caminhos espirituais e filosóficos são árduos.
às vezes sim, às vezes não.
Soliários, sim, às vezes não.
Fáceis, sim, às vezes não.
caminhos, enfim,
às vezes sim, às vezes não.
(Mas, sobretudo, esteja certo: às vezes, sim, às vezes sim, mestre algum caminhará para você, por você ou com você).

Palavras

Falo com alguém que encontra conforto e segurança no que vê e experimenta.
Falo como amador, diletante que tem prazer em pensar o que não sabe.
Falo da busca de um saber - sempre provisório -
que me ultrapassa, surpreende e enriquece.
Sim, imerso em dúvidas,
falo porque não tenho autoridade para falar o que falo.
Falo, na verdade, de uma busca pessoal e de questões instansferíveis.
(Que cada um encontre as suas).

Heráclito e o rio de Heráclito

O rio corre manso,
plácido e cristalino.
Mas não se consulta Heráclito
duas vezes.
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quinta-feira, 15 de julho de 2010

Ateísmo

Não sou ateu por convicção.
Sou ateu por instinto.

Feiticeira

Eu, e duas doses de um whisky barato.
Você, com jeito de feiticeira cara,
deusa que me seduz no sofá da sala de jantar.

(Uma mariposa preta colada
no teto da parede branca).

Deus, como é perfeito o mundo,
com duas doses de um whisky barato,
uma mariposa prete colada no teto branco da parede
e uma feiticeira espalhada no sofá
da sala de jantar.

A filosofia e seus contratos

Filosofando, o eu celebra contratos imaginários, alternativos e estratégicos.
Com os seres: de acolhimento.
[desses, baseados na certeza da semelhança.
Com o mundo: de cumplicidade.
[desses, que seres vivos fazem entre si.
Com a natureza: de parceria.
[dessas, que apostam na mútua dependência.
Com si mesmo: de sabedoria.
[dessas, a que esses contratos - solenemente celebrados e cotidianamente praticados - necessariamnte conduzem.

Contratos e cláusulas imaginárias.
Nenhuma alternativa, estratégia alguma.

Espiritualidade e fé

Como questão, conflito e drama,
espiritualidade e fé assediam e assombram a consciência humana.

(Quando afirmamos ou negamos Deus, estamos sempre nos limites da linguagem.
Sabemos, então, algo sobre nós, mas nada sobre Ele).

Quanto amim, sou pessimista como Schopenhauer,
e sempre achei que há algo errado na criação divina:
nós!
Mortes, misérias, infâmias cotidianas.
(Concordo com Woody Allen: devíamos é processá-lo pelo conujnto da obra).

A fé de nada duvida e a tudo responde.
Acreditando que tudo está dado,
paraliza a experiência do possível.

(A verdade mutável emprobece, já a dúvida profunda...).

Certezas religiosas são uma espécie de bengala psicológica que o adepto se apóia prá não cair dentro de si mesmo.

(É que cair dentro de si mesmo... dói).

A iluminação do Buda

Não qualquer tronco.
Não qualquer árvore.
Pois o Buda, sentado junto,
nada mais eram que dois seres
trocando idéias entre si.

A árvore da vida.

Raízes simbolizam o nascimento do ser como possibilidade de ser.
Tal como penetram na terra, assim também o ser deve penetar em si próprio.
Abrigo, privilegiada morada.

Tronco é o corpo, cujo inexorável destino é crescer.
Contorcer-se. Desenvolver-se. Achar e demarcar seu lugar.

Galhos são caminhos, alternativas, expansão da consciência, destino de espalhar-se.
Multiplicar-se.

Floração é o ápice da vida.
Sabedoria como consciência de si.
Frutificar-se.

A queda de seus frutos, marca o fim e o começo
de uma nova árvore.
Quer dizer, de uma nova vida,
Quer dizer, de uma nova árvore,
Quer dizer...

Perguntas

Isso
-
mistério e vida -
já é a resposta que se busca
fora d'isso.

Além da temporalidade,
há algo na consciência que a ultrapssa.
É isso.
(Além d'isso, nada sabemos).

É bom não saber, para que mistério de vida
- isso -
permaneçam imensos, a nos indagarem e conduzirem.
(para que continuemos sendo vida e mistério).
Ponto de partida e chegada.
Prá onde?
Não sabemos. Não há resposta.
(Toda uma vida em torno de - suas - perplexidades).









Relatividade

4.000 anos antes de Cristo:
A união dos opostos, a unidade dos contrários.
Síntese.
Magistral descoberta da filosofia chinesa.

Mil séculos depois,
Ocidente: Hegel e a dialética.
(e a tola pretensão ocidental de datar o nascimento da filosofia a partir dos pré-socráticos na Grécia Clássica).

E eu,
sozinho e divagando,
cercado de livros
por todos os lados.
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segunda-feira, 5 de julho de 2010

A font

A font da vid
é a própr vid
(pra bom entendedor,
meias palavras bastam).

Poesia I

A poesia cura as feridas da vida.
(E as fissuras do ser).

Poesia II

Poesia é delírio:
O poeta entra em si para sair de si.
É delírio:
no que entra e no que sai.

Poesia III

Todo poeta sabe,
que toda poesia sua,
resulta de uma fracasso seu.

Eu e o tempo

Dois pingos de neve nos cumes do Annapurna.
Marco Polo no caminho da seda.
Uma nau portuguesa no rumo errado.
Um encontro marcado, passos, e o filme começado.

Um pinguço dormindo solto numa esquina qualquer.
Amigos, cerveja gelada - futebol, mulheres - e carros e ônibus e gentes que passam apressados.
Um arpoador japonês e uma jubarte morta nos gelados do Mar do Norte.
Uma menininha de tranças pula corda num subúrbio bem aparado de Connecticut.
Um morto é acolhido no ceú dos crentes.
(Lá embaixo, o diabo açoita mais uma alma que acreditou ser livre).

E a lagarta percorre o jardim,
que viceja e vigora com flores diversas.

Um doente e uma televisão num quarto de hospital.
Um músico anônimo entre insones, felizes como ele.
Uma borboleta - será Deus? - bate asas na China: tempestade nos trópicos.
E o gato consulta seus bigodes.

O estudante que não sabe matemática.
Uma adolescente que dá ou não dá.
E o executivo que escova seus dentes distraído.
Um pároco de subúrbio e a missa das dez. Crentes, beatas e pecadores cotidianos rezam para seu deus imaginário e invisível.
Um trem descarilha numa encruzilhada do destino.
Amantes trocam juras que jamais serão cumpridas.

O tempo é marcado pelos ontens que cabem nos hojes.
É ilusão, diz o Oriente.
É simultâneo, diz Borges.

Você de avental vermelho com uma vassoura na mão.
Eu, sentado no sofá.
EMBASBACADO.

Deus existe?

Tudo pode ser de um jeito ou de outro.
Tudo existe e não existe.
Todo ser é e não é, disse o Buda.
Tudo é belo e fugaz,
nessa existência singular.

(E Deus ausente no céu dos crentes,
se escondendo por entre os seres que criou).

Tudo é mistério e enigma.
Estamos sós, perdidos,
nesse mundão de Deus.

Budismo

5.000 anos atrás, através da religião, o Buda descobriu que salvar-se é: Saber de si.
5.000 anos depois, através da ciência, Freud descobriu que salvar-se é: Saber de si.
Ambos intuiram verdades singulares, criaram doutrinas e escolas diversas.
Ambos cultivaram adeptos e discípulos.

Porque as pessoas só rezam para o Buda?

Tempo

Resulto da sabedoria do tempo.
Sou corpo, semente, arado, colheita.
Carrego as marcas das perguntas que fiz
e das que não soube responder.
(E o peso das que não me foram respondidas).

Sereno e tranquilo,
continuo à bordo do submarino amarelo.

A Sagrada doutrina

Na Idade Média, bruxas foram queimadas por serem mulheres.
Índios, por não terem alma, foram exterminados em nome da fé.
E a espada do Levante curvou-se sob as patas dos nobres cavaleiros da távola.

Jesus andou por cima das águas.
Deus é três em um só.
(Ainda por cima, tem um olho dentro de um triângulo).

Somos feitos a sua imagem e semelhança,
diz a sagrada doutrina.
Não me surpreendo,
mas me espanto.

Reflexões ociosas

- Porque todo poeta bemdito - Rimbaud, Bukoswki, Leonardo Cohen, Fernando Pessoa - é maldito? Porque o mal-dito é condição de criatividade para o bem- dito.

- O ver nunca cabe no olhar,
porque sempre está além dele.

Versos, frases, pensamentos que gostaria de ter tido/dito/escrito

- Não se escreve o que ser quer, mas o que se pode. Jorge Luis Borges.
- Em Leipzig aperfeiçoei muito o espírito, masturbei-me muito e não frequentei as prostitutas como devia. F. Nietzsche.
- Toda convicção é uma prisão. F. Nietzsche.

Quem sou eu?

Rimbaud disse que é um erro dizer "eu penso". Concordo com o poeta. Talvez devêssemos dizer "pensam em mim", "sou pensado por", "pensam-me".
Jung também teve a mesma intuição ao dizer que "ninguém é senhor em sua própria casa". Paulinho da Viola também nos diz que "quem me navega é o mar".
Bem, tudo leva a crer que há uma fonte da qual todos e tudo brotam.
A pergunta, entretanto, parece ser "o que é essa fonte", e não - como querem as religiões - "quem" ela é.
O budismo e o zen - como filosofias que são - não tem a pretensão das respostas prontas e definitivas.
O que propõem é melhorar a qualidade das perguntas.
Como essa, por exemplo.
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