segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011



Nunca pensei em ter mulher e filhos. Sempre me imaginei velho e sábio num mosteiro do Tibete (se é que ser velho num mosteiro do Tibete implica qualquer tipo de sabedoria...).
Bem, hoje estou há vinte e cinco anos com a mesma; os filhos tão aí; caminho - a passos firmes - para a velhice; a sabedoria ficou pra trás, e o mosteiro no Tibete, ah, o mosteiro no Tibete...
O eremitismo e o monasticismo são práticas religiosas comuns ao Oriente e ao Ocidente. Sempre fui fascinado, e sempre tive fantasias a respeito; sempre senti certa inadequação com o concreto, um vago desconforto com os assuntos do mundo. Sempre mantive um pé na transcendência, e sempre gostei dessa idéia de inutilidade social misturada com reflexão pessoal. Sempre tive um jeito - digamos, longínquo - meio monge de ser, sempre fui "gauche" entre os demais (certa vez, uma namorada disse que eu era "uma nuvem de calças"; até hoje não sei se foi elogio ou ofensa...)
Que glória! uma vida voltada para a leitura, o ócio e a solidão. Uma vida simples, com trabalhos simples, em torno de coisas simples.
Nessa, já se vê, não dá mais; mas, quem sabe, na próxima eu volto como eremita num mosteiro, pendurado lá em cima, bem nos altos do Himalaia (Borges dizia que uma das incoveniências do céu talvez seja a necessidade de conviver com muita gente...).
A próposito, o problema com a reencarnação é que ela supõe uma visão negativa da vida: consequência de erros e equívocos passados, ela é forçosamente ruim, um castigo a ser resgatado, uma provação a ser cumprida. Como a reencarnação é exclusivamente produto de uma falta - digamos, um déficit comportamental, sendo assim uma reparação - quando você volta, necessariamente, volta para o futuro.
Mas, sendo a vida boa e viável, como, de fato é, admitamos, por puro deleite, que os que a vivem bem, também possam voltar para usufruir das benfeitorias que por aqui fizeram e que por aqui deixaram. A reencarnação, então, não mais como castigo e punição, mas opção e escolha; uma espécie de prêmio por bons serviços prestados à si mesmo. Nesse caso, bem que ela poderia incidir retroativamente, de acordo com a livre e soberana vontade do beneficiado.
Então, vou desde logo avisando: tendo vivido minha vida numa boa - sim, uma mistura bem temperada de excessos com contenções, desregramentos com virtudes - quero ir direto para o passado, como um daqueles monges barbudos e solitários que passavam os dias copiando manuscritos da antiguidade clássica numa isolada, fria e misteriosa abadia medieval.
Bem, no mais - e enquanto isso - estou tranquilo e vou levando, como posso e como sei: é que lendo o poeta e místico alemão Angelus Silesius - "A solidão é necessária: mas, se não és vulgar, podes estar em qualquer lugar como num deserto" - aprendi que solidão é mais uma questão interior a ser pensada, que uma experiência exterior a ser vivida.

2 comentários:

  1. A melhor solidão é aquela que se pode usufruir sabendo estar acompanhado pelo que nos amam. sendo assim, a experiência exterior se apresenta, muitas vezes, como felicidade como na fotografia postada.
    bjs

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