sábado, 5 de fevereiro de 2011

SOBRE DEUS
- Se não vemos Deus e se não podemos compreender porque ele se esconde, talvez seja, simplesmente, porque ele não existe. (...) Pretender que Deus se esconde para preservar nossa liberdade seria supor que a ignorância é um fator de liberdade. (...) A ignorância em que Deus nos mantém, no que concerne à sua existência, não poderia se justificar pela preocupação que ele teria de nos deixar livres. É o conhecimento que liberta, não a ignorância. André Comte-Sponville, “Deus existe?”. In: O espírito do ateísmo.
- Fico pasmo quando vejo vítimas da tragédia na Serra agradecendo a Deus o fato de estarem vivas. Deus? Como assim? Onde estava ele ANTES da tragédia? Não sabia? Não previu? Porque não impediu? Deus: to fora!

SOBRE UM SAPO
Era uma vez uma comunidade de sapos que vivia modesta e conformada no fundo de um poço escuro e úmido. Entre eles havia um sapo mal visto e mal falado, meio trapalhão, rebelde e marginal, que teimava em pular mais alto que todos. Um dia, pulou tão alto que foi parar fora do poço, e aí...bem, aí a comunidade de sapos continuou conformada e modesta no fundo do poço úmido e escuro a falar mal do sapo rebelde e trapalhão. Mas ele, ah, nem te conto...

SOBRE O VAZIO
- Caminhar por caminhos próprios por e para dentro de si mesmo, é ter um encontro marcado com o vazio. A doutrina budista do vazio afirma que ele é desprovido de forma. Então, do ponto de vista existencial, o vazio é conteúdo com ausência de forma, significando que, sem forma pré-determinada, cabe a cada um ser aquilo que deve, que pode, que consegue ser. Preencher-se, subjetivar-se, ser para si. Sem forma fixa, o vazio manifesta - e é manifestado - por cada coisa tal qual é. Por isso, existencialmente, vazio é ausência de forma fixa, isto é, é conteúdo que cada um preenche, conforme vive.

SOBRE O CETICISMO
- Segundo Wittgenstein, o ceticismo carece de sentido porque duvida do que não pode, sequer, ser perguntado.

SOBRE O ZEN
- A espiritualidade do zen - qualquer espiritualidade - tem mais a ver com vocação e imaginação pessoal, que com religião formal. Essa é uma das razões pela quais o zen não se encaixa e não se molda ao modelo religioso tradicional: maleável, permeável, desdobrável, o zen é sugerível.
- A experiência do Zen é, pois, a experiência do satori; levando-se em conta que essa experiência na realidade transcende todas as categorias de pensamento, o Zen não demonstra qualquer interesse em qualquer modalidade de abstração ou conceituação. Não possui qualquer doutrina ou filosofia especiais, dogmas ou credos formais e afirma que essa liberdade perante todas as formas fixas de crença é que o torna verdadeiramente espiritual. In: Fritjof Capra, O Tao da física.

SOBRE O BUDISMO
- É uma teologia, uma mitologia, uma tradição pictórica e literária, uma metafísica, uma doutrina de salvação (...) Se existissem tantos Ganges como existem grãos de areia no Ganges, e outra vez tantos Ganges como grãos de areia nos novos Ganges, o número de grãos de areia seria menor do que o número de coisas que o Buda ignora. Jorge Luiz Borges e Alicia Jurado. In: Buda.

- Não é o fim, mas o meio, não é o objetivo mas o caminho; quem o segue não o atinge, quem o atinge não o segue mais. André Comte-Sponville. In: Uma educação filosófica.

- É uma maneira de viver e de encarar a vida que não se integra em qualquer das categorias formais do pensamento moderno ocidental. Não é religião nem filosofia; não é uma psicologia nem um tipo de ciência. Alan Watts. In: O Budismo Zen.

- (...) Surgiu após séculos de atividade filosófica; o conceito de Deus já não tem qualquer valor em sua gênese. O budismo é a única religião autenticamente positiva que a história nos mostra, também incluída aí a sua teoria do conhecimento; ela nãodiz ‘luta contra o pecado’, senão, dando total razão à realidade, diz ‘luta contra o sofrimento’. Deixa atrás de si- e isso distingue-o profundamente do cristianismo – esse logro de si próprio que são as concepções morais; coloca-se, para falar a minha linguagem, para além do bem e do mal. (...) O Budismo possui por herança a faculdade de saber formular os problemas de forma fria e objetiva; surgiu após séculos de atividade filosófica; o conceito de Deus já não tem qualquer valor na sua gênese. O Budismo é a única religião autenticamente positiva que a história nos mostra, também incluída aí a sua teoria do conhecimento (um fenomenalismo rigoroso); ela não diz ‘luta contra o pecado’ senão, dando total razão à realidade, diz ‘luta contra o sofrimento’. Deixa atrás de si - e isso distingue-o profundamente do cristianismo - esse logro de si próprio, que são as concepções morais; coloca-se, para falar a minha linguagem, para além do bem e do mal. (...) É excluída a oração, assim como o ascetismo; nenhum imperativo categórico, absolutamente nenhum constrangimento (...) É por essa razão que o Budismo não exige a luta contra os que pensam de maneira diversa; a sua doutrina nada repudia, a não ser o sentimento de vingança, a aversão, o ressentimento. Frederich Nietzsche, O anticristo.

- Perguntaram ao Grande Mestre Zen da Amexeira qual era o significado maior do budismo, e ele respondeu florzinhas no campo, galhos de salgueiro, pontas de bambu, fios de linho, em outras palavras, segura firme, rapaz, o êxtase é generalizado, é isso que ele quer dizer, o êxtase da mente, o mundo não e nada além da mente, e o que é a mente? A mente não é nada além do mundo, caramba. Então o Cavalo Ancestral disse: ‘Essa mente é o Buda’. Ele também disse: ‘Nenhuma mente é o Buda’. Jack Kerouac. In: Os vagabundos iluminados.

- Mas o que não posso entender é que alguns budistas adorem o Buda como a um Deus, quando ele mesmo nega do modo mais explícito sê-lo. In: R. M. Smullyan. El silencio del zen.

- [A doutrina budista] não parte de nenhum impulso inicial de intervir no mundo, para dominá-lo ou transformá-lo. Sua transmissão, aqui e ali, contém advertências de que ela, com o tempo, desaparecerá completamente, inevitavelmente, se tornará superficial, e será completamente irrealizável e inútil para as futuras gerações. In: Heinrich Zimmer, Yoga y Budismo.

- Uma vez perguntado sobre o que era o Budismo, Bodhidharma, segundo a tradição o introdutor do Budismo na China, respondeu: “Vazio insondável, e nada de sagrado”. In: Dominique Dussaussoy, Le bouddhisme zen.

SOBRE O SÁBIO
- O sábio se afasta e se exime de todo erro e paixão, considera e julga todas as coisas, não se choca nem se agarra a nenhuma, mas permanece completamente franco, inteiro e contente consigo mesmo. Pierre Charron, Pequeno tratado da sabedoria.

SOBRE SER DONO DO PRÓPRIO NARIZ.
- Diogenes Laêrtios atribuía ao filósofo Pirro a seguinte sentença: “Não definir coisa alguma, ou antes, não aderir a opinião alguma”. In: Diôgenes Laêrtius, Vidas e doutrinas de filósofos ilustres.

- O fruto mais saboroso da auto-suficiência é a liberdade. In: Epicuro, Pensamentos.

- O médico, filósofo e alquimista medieval Paracelso gravou no seu brasão de família: “Não siga a outro, aquele que pode seguir a si-próprio". In: Carl Gustav Jung, O espírito na arte e na ciência.

- Não me deixarei orientar nem pelo Yoga-Veda, nem pelo Atarva-Veda, nem por ascetas, nem por doutrina alguma. Aprenderei por mim mesmo. Serei meu próprio aluno; procurarei conhecer-me a mim. In: Hermann Hesse. Sidarta.

-Alegra-me (...) que os próprios homens tenham alguns coices a dar antes de se tornarem membros submissos da sociedade. Sem dúvida, nem todos os homens são súditos igualmente adequados para a sociedade. E porque a maioria, como cães e gatos, é submissa por disposição herdada, isto não é motivo para que os outros devessem ter suas naturezas rompidas a fim de serem reduzidos ao mesmo nível (...) uma vida bem sucedida não conhece nenhuma lei (...) em suma, todas as coisas boas são selvagens e livres. In: Henry David Thoureau, Caminhando.

- Não tenha medo/não preste atenção/não dê conselhos/ não peça permissão/é só você quem deve decidir o que fazer. Renato Russo.

- Faça o que tu queres, pois é tudo da lei. Raul Seixas.

- E a única forma que pode ser normal/é nenhuma regra ter/E nunca fazer nada que o mestre mandar/Sempre desobedecer/Nunca reverenciar. Belchior.

Em tempo: "Ni Dieu, ni maitre" é uma velha palavra de ordem do anarquismo.

SOBRE O PENSAR
- De que valeria a obstinação do saber se assegurasse apenas à aquisição de conhecimento e não, de certa maneira e tanto quanto possível, o descaminho daquele que conhece? Existem momentos na vida onde a questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa (...) é indispensável para continuar a olhar ou a refletir (...) Mas o que é filosofar hoje em dia - quero dizer, a atividade filosófica - senão o trabalho crítico do pensamento sobre o próprio pensamento?.E não consistir em tentar saber de que maneira e até onde seria possível pensar diferentemente em vez de legitimar o que já se sabe. Michel Foucault. In: História da sexualidade.

- Eu gostaria de, com o meu trabalho, não poupar ao outro o esforço de pensar, mas antes, na medida do possível, incitá-lo a pensar por si. In: Ludwig Wittgenstein, Investigações filosóficas.

- Uma vez que os avanços do saber só podem ser obtidos em uma certa confusão, deliberadamente aceita e alimentada, a busca da clareza por si só deve ser considerada como a iniciativa obscurantista e reacionária por excelência. In: Jacques Bouveresse, O futuro da filosofia.

- No entanto, precisávamos estar atentos para aquilo que, na utopia, ampliava o campo do que podia ser pensado. In: Leandro Konder, Memórias de um intelectual comunista.

SOBRE O MISTÉRIO
- Ao designar-se Deus ou o Tao como um impulso ou estado da alma, com isso só se diz algo sobre o cognoscível, e nada sobre o incognoscível; acerca deste último, até agora, nada foi descoberto. In: Carl Gustav Jung e Richard Wilhelm, O segredo da flor de ouro.

SOBRE A POESIA
- As línguas são imperfeitas, pra que os poemas existam. Adélia Prado.

- A poesia é uma espécie de sacrifício em que as palavras são as vítimas (...) A poesia não é mais que um desvio; com ela escapo do mundo do discurso, quer dizer, do mundo natural (dos objetos); com ela entro numa espécie de tumba a partir da qual a infinidade dos possíveis nasce da morte do mundo lógico. Georges Bataille.

- A poesia é uma metafísica instantânea. Ela deve dar, num breve poema, tanto a visão do universo, quanto o segredo de uma alma. Gaston Bachelard.

- [O poeta] trai a razão usando seu veículo: a palavra, para deixar que por ela falem as sombras, para fazer delas a forma do delírio. Maria Zambrano.

Um comentário:

  1. Luiz, o texto acima é quase uma maldade aos seus leitores, tem material aí para muita ruminação. Lendo sobre o candomblé num artigo do Umberto Eco ele menciona que esta religião carece de moral, pois não estabelece uma doutrina de certos e errados, é mais um universo mitológico. O budismo conforme você menciona também carece de uma doutrina moral e tenta desesperadamente se livrar do universo mitológico em torno de buda, para deixar prevalecer a essência. É isso mesmo? Imagino os sábios antigos após horas, meses e anos de discussão chegando a conclusão que não chegaram a conclusão nenhuma, e que sempre que analisassem sob um novo prisma haveria milhões de desdobramentos para serem considerados e relacionados com o conhecimento filosófico anterior. O budismo seria então uma espécie de síntese dessa perplexidade, a única forma de entender tudo sabendo que não se pode entender tudo. Para estudiosos dedicados é o ápice da humildade, mas em vez de simplificar ou de jogar a toalha num "só sei que nada sei", estabelecem alí um ponto de partida, para uma compreensão muito mais profunda. Bem foi isso um pouco do que concluí do que foi escrito acima, por favor me corrija. Afinal minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais...ou não?

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